outubro 19, 2012

"O caleidoscópio de Kaplisch" (Psicotramas)

PICICA: "[...] caminhamos por desilusões amorosas, calvário de solidões, conformismos e de ilusões fúteis aos que de fora contemplam veleidades [...] "


O caleidoscópio de Kaplisch


Num é à toa que o personagem dum conquistador barato menciona “homeopatia” (homens em pequenas doses) à assistente social – protagonizada pela ESPLENDOROSA Juliette Binoche -, em “receita existencial” sobre homens em sua vida. O desencanto da personagem se assemelha ao da grande maioria dos que habitam o universo criado por Cédric Klapisch ao vasculhar a velha Paris-resmungona.

Os créditos iniciais flagram instantes que serão visitados aqui&ali, durante o desenrolar da trama. Indivíduos comuns em seu cotidiano comum, adormecidos na própria inércia, trilhando sua sina diária ou, no caso do solitaire-perdu irmão da Ju-merveilleuse (Romain Duris), premido pela possibilidade de precoce finitude que decorrerá duma cirurgia-transplante de alto risco.

Assim caminhamos por desilusões amorosas, calvário de solidões, conformismos e de ilusões fúteis aos que de fora contemplam veleidades como a do calejado historiador (o ESTUPENDO Fabrice Luchini), enrabichado por uma aluna no auge de sua “beleza ofensiva, ainda + pela juventude”, em suas palavras. Ao contrário da pressa y descozimento dos otros filmes de Klapisch, aqui uma das grandes virtudes tá justa-mente no andamento tranquilo, na pulsação com que somos convidados a participar do dia-a-dia dos seus personagens. Tão válida quanto uma angústia existencial sartreana típica é o esmero& dedicação da dona da boulangerie (Karin Viard) ao tocar seu negócio y selecionar uma candidata; ou ainda uma alegre visita de solteirinhas a 1 entreposto de frutas e carnes, entre risos& amassos com seus flertes. O trágico se entremeia com os rasgos de esperança ou efusão, assim-assim, com simplicidade. Da mes-ma forma com que a morte do pai do historiador é relatada por este ao telefone (respondendo 1 “não sei o que dizer…” do museólogo d’otro lado da linha o Fabrice dispara “num há nada a dizer, é só uma pessoa que morreu”) ou vivenciada com o irmão “normal, muito normal” (François Cluzet, em cartaz com “Intocáveis”) que se emocionará ao ser pai y se angustiará num pesadelo tão divertido quanto terrível a respeito de seu ser-no-mundo, dormindo ao lado de sua irretocável Solange-esposa, que num diálogo hilário atesta as deficiências& anormalidades” do maridão.

Aliado a tudo isto, Paris-elle même é vista pelo historiador como fragmentada/fragmentária, tanto em sua (des)construção quanto em seu pulsar. Na BELÍSSIMA sequência final – acentuada pela foto esmaecida y cheia de filtros, empobrecendo proposital-mente a Beleza da cidade-Luz – o personagem de Duris afirma a glória secreta que “deveriam sentir” alguns transeuntes (escolhidos cinematografica-mente, em bom número, pelos próprios personagens que fomos conhecendo ao longo da trama) por “estarem vivos, pensando, sentindo, reclamando, resmungando como parisienses adoram resmungar”…
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(em tempo) Final-mente o cinema compôs 1 psicanalista (Maurice Bénichou) com aparência/postura parecida com 1 mortal comum… O camarada é 1/2 gorducho, barba por fazer, sereno y… fala alguma coisa. Em geral os “psis” de cinema ficam mudos ou simples-mente comunicam o término da sessão y cobrança de honorários. Kaplisch nos apresenta 1 psicanalista “normal”. UFA!!

Fonte: Psicotramas

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