fevereiro 24, 2013

"Aberto o debate: o que fazer com mais recursos para a Saúde?" (Cebes)

PICICA: "A alocação de recursos deve contemplar três componentes fundamentais: custeio, investimento e capacitação. E ser feita de forma a contemplar uma metodologia que vise a redução das desigualdades regionais - seja dentro dos estados, seja entre os estados e as regiões brasileiras.

Aberto o debate: o que fazer com mais recursos para a Saúde? 

A necessidade de maior financiamento público para a saúde no Brasil vem assumindo premência e o retardamento na solução dos problemas relativos à essa necessidade reflete o real compromisso da União com o Sistema Único de Saúde (SUS). Para aprofundar o debate, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) perguntou a alguns atores do setor sobre “o que fazer com mais recursos para a saúde”. Confira!

 Jurandi Frutuoso, Médico Sanitarista, Secretário Executivo do CONASS e Conselheiro Nacional de Saúde (CNS)
A partir de um planejamento estratégico que defina claramente os processos a serem executados e os resultados a serem alcançados para a sociedade, alocar recursos  financeiros em programas estratégicos que organizem e qualifiquem todos os pontos de atenção das redes de atenção à saúde das áreas prioritárias (materno infantil, urgência e emergência, saúde mental e doenças crônicas).

A alocação de recursos deve contemplar três componentes fundamentais: custeio, investimento e capacitação. E ser feita de forma a contemplar uma metodologia que vise a redução das desigualdades regionais - seja dentro dos estados, seja entre os estados e as regiões brasileiras.

 Eymard Mourão Vasconcelos, Médico, mestre em Educação, doutor em Saúde Pública e em Medicina Tropical e membro do conselho do Cebes
A questão “o que fazer com mais recursos para a saúde?” tem por trás o pressuposto de que novos recursos para a saúde deverão ser direcionados para prioridades a serem estabelecidas, por meio de normas administrativas e programas que acabam engessando o gestor que se depara com a diversidade surpreendente de demandas. Isto tem se repetido muito na história do SUS: recursos novos vêm amarrados em programas específicos, obrigando os gestores a fazer grandes piruetas administrativas para adequá-los às necessidades locais.
Precisamos tornar o SUS mais eficaz por meio da ampliação da participação popular, do controle da corrupção, da responsabilização dos gestores que não aplicam bem os recursos e de vários outros mecanismos de controle administrativo e jurídico, mas respeitando a autonomia dos governos municipais, estaduais e federal, legitimados pelas eleições, escolherem suas prioridades e suas ênfases, contanto que dentro dos princípios já definidos pela legislação sanitária do país. Precisamos sim de mais recursos para aproximar o SUS de suas propostas iniciais: atenção integral, valorização da promoção da saúde, enfrentamento dos determinantes sociais das doenças, etc.
Para isto, é fundamental que os trabalhadores do SUS não sejam mais submetidos a contratos de trabalho precários que, muitas vezes, não respeitam nem os direitos trabalhistas assegurados na CLT. O SUS, por esta precarização do trabalho, vem causando muita doença e sofrimento entre seus trabalhadores. Sem um quadro de trabalhadores estável, apoiados pedagogicamente e com canais claros de participação na busca de soluções, não conseguiremos cumprir os princípios do SUS. Um SUS doente não pode gerar saúde na população. E a falta de recursos financeiros tem sido determinante desta precarização do trabalho em saúde.

 Maria do Socorro de Souza, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
1- Implementação de um plano de estruturação da rede pública de saúde nos municípios de médio e pequeno porte (hospitais, laboratórios, centros de referências). Há hospitais e pronto-socorros que foram construídos há mais de 50 anos e nunca tiveram uma reforma sequer. Não podemos dispor de mais recursos para serem apropriados pelo setor privado e deixar a rede pública estatal sucateada.

2- Desenvolvimento de uma política nacional que valorize os profissionais de saúde, pois desta forma poderemos assegurar dedicação exclusiva destes para o SUS.

3- Investimento em pesquisas e inovações tecnológicas. 
20 de fevereiro de 2012

 José Noronha, doutor em Saúde Coletiva, coordenador adjunto da Associação Latino Americana de Medicina Social (Alames) e Diretor ad-hoc do Cebes
Em 2007, o Brasil já comprometia 8,4% de seu PIB com gastos com ações e serviços de saúde, situando o país nos mesmos patamares de apropriação da riqueza nacional para a saúde de países da OCDE, como o Reino Unido (8,4%), Espanha (8,5%), Itália (8,7%) e Austrália (8,9%). Evidentemente esta participação no PIB não traduz a mesma magnitude no gasto per capita, que, para 2007, registrava em Paridade de Poder de Compra, US$ 884 para o Brasil, comparados a US$ 2.671, para a Espanha, US$ 2.686 para a Itália, US$ 2.992, para o Reino Unido e US$ 3.357 para a Austrália
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Com frequência, críticos conservadores, ao salientar o nível de comprometimento do PIB para efeitos de comparação, esquecem-se da magnitude do gasto, para justificar argumentos do mau uso dos recursos da saúde. O problema é que o “mau uso” está em outro lugar: na iniquidade com que esses recursos relativamente escassos ainda são captados, distribuídos e empregados no Brasil.25,9 % da população brasileira está coberta por planos e seguros de saúde. Descontados os gastos gerais, podemos estimar, para 2007, que os gastos per capita com atenção à saúde ficaram em R$ 480 para os que têm acesso exclusivamente aos serviços do SUS, contra R$ 1.128 para aqueles que também têm cobertura por planos e seguros.
Os segmentos de maior renda em sua grande parte estão cobertos pelas seguradoras especializadas em saúde. Os valores apresentados incluem tanto os planos coletivos, ofertados pelos empregadores, quanto os individuais, contratados diretamente pelos beneficiários. O valor médio da internação para este último grupo, pago pelas seguradoras de saúde foi, em 2009, de R$ 13.032,68, quatorze vezes superior ao valor médio pago pelo SUS. Alguém, de boa razão, acha que isto é justificável? Alguém, de boa razão, pode achar que R$ 550,00 pagam os gastos com maternidade e equipe profissional para um parto normal, seja razoável? Que pagar R$ 10,00 por consulta médica é razoável? Foi o que o SUS pagou em média em 2012, e continua pagando em 2013.
Para que mais dinheiro, portanto? Para melhorar a qualidade dos cuidados atualmente prestados, acabar com superlotação de nossas emergências, aumentar a oferta de serviços especializados acabando com a gigantesca fila para transplantes renais e implantação de próteses ortopédicas, para organizarmos redes assistências integradas de qualidade, para pagar decentemente os profissionais de saúde que se dedicam exclusivamente ao SUS, acabar com a “cobrança por fora da tabela” que diversos médicos praticam, estabelecer uma rede integrada de cuidados de longa duração e cuidados paliativos. Enfim, aproximar-nos dos padrões que de cobertura, qualidade e acesso que países como o Reino Unido, a França e a Suécia oferecem a seus cidadãos. A R$ 50,00 por mês por habitante, não é possível. Para fazer de atendimento domiciliar, saúde bucal, parto, hérnia, cirurgia cardíaca, diagnóstico e tratamento da AIDS, até transplante de rim e fígado e cuidar de uma população que envelhece rapidamente.
Referências:
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Contas Satélites da Saúde 2005-2007. Coordenação de Contas Nacionais; Diretoria de Pesquisas; IBGE; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão: Rio de Janeiro: IBGE, 2009. N.29
NORONHA, J. C.; SANTOS, I. S.; PEREIRA, T. R. Relações entre o SUS e a saúde suplementar: problemas e alternativas para o futuro do sistema universal. In: SANTOS, N.; AMARANTE, P. D. C.(Org.). Gestão pública e relação público-privado na saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2010. p. 159.
 Luis Eugênio Portela, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)
Em primeiro lugar, devo dizer que se trata de uma pergunta muito pertinente, pois é comum, na área da saúde, novos recursos não ensejarem nem mais nem melhores serviços para os usuários.
Em segundo lugar, passo às minhas opiniões. Prioritariamente, os novos recursos para a saúde deveriam ser destinados à expansão do acesso a serviços de qualidade, integrados em redes e linhas de cuidado, voltados para parcela da população que tem hoje maiores dificuldades para utilizar serviços de saúde.
Outra aplicação importante se refere à qualificação do trabalho em saúde, com a implantação de planos de carreiras, contemplando uma remuneração digna, a dedicação exclusiva ao setor público e ações de educação permanente de todos os trabalhadores do SUS, incluindo seus gestores.
Os recursos deveriam também ser investidos no apoio à inovação tecnológica e ao desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde, com forte participação dos laboratórios oficiais e das empresas nacionais, orientados a produzir todos os insumos que a atenção integral à saúde exige.
E deveriam ainda ser usados para fortalecer as ações intersetoriais que tenham impacto sobre os determinantes sociais da saúde. Creio que, com isso, teríamos um sistema mais efetivo e eficiente.

19 de fevereiro de 2012
 Sonia Fleury, doutora em ciência política, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas e ex-presidente do Cebes
Com mais recursos para a saúde é possível fazer:
1- um plano de metas de investimento de forma a acabar com o monopólio da rede privada em todas as localidades onde não exista serviço similar do SUS, o que torna o sistema público cativo da contratação do privado;
2 - mesmo plano de metas para acabar com dependência de monopólios de insumos, exames, fármacos e tecnologias, seja criando próprios ou em associação com privados, sempre que o contrato assegure maior poder ao SUS;
3- criar um sistema de pesquisa e avaliação da eficácia de todas as isenções e fluxos financeiros do SUS para os entes privados, definir parâmetreos para suspensão  e revisão de contratos;
4- criar um sistema de responsabilização, contratualização por metas e parâmetros de qualidade para toda a rede pública, a ser anualmente avaliada como é o caso da educação. Definir prazos para melhorias ou fechamento dos serviços;
5- qualificação, responsabilização e valorização salarial dos profissionais;
6- sistema de ouvidora conectado a defensoria, promotoria e auditoria com medidas de retorno e efetividade;
7- Interligação dos sistemas de controle externo, controle interno e controle social, além da Política Federal de forma enfrentar nacionalmente e eficamente a corrupção em saúde;
8- Exigência de Ficha Limpa para ocupar qualquer posição de mando no sistema de saúde público;
9 - Desvinculação do orçamento da saúde de ingerências partidárias como emendas parlamentares e indicações de diretores de hospitais e serviços;
10 - Aplicar a Lei da transparência em todos os serviços de saúde, nas compras dos serviços, nas contratações, impedindo que essas se dem de forma não concorrencial, como no caso das OS ou de forma ilegal como no caso de OSCIPs criadas oportunamente para tal finalidade contratual.

 Ronald dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar)
Dar materialidade a um dos princípios do SUS, a integralidade da atenção. Mais recursos para a saúde significa ter mais recursos humanos e materiais para a garantia do direito Constitucional a Saúde.
Em 1994, quando a União aplicou mais de 10% das Receitas Brutas em saúde, vimos surgir o Programa Saúde da Família (PSF), hoje considerado uma grande conquista, que buscou colocar a atenção básica na linha de prioridade.
Tenho certeza que, com mais recursos, poderemos ter "inovações" do porte do PSF, como, por exemplo, a Carreira do SUS, a estruturação das Regiões da Saúde no SUS, a ampliação do acesso a medicamentos e insumos estratégicos, e, principalmente, a estruturação e fortalecimento de equipamentos públicos para a atenção e vigilância a saúde do povo brasileiro.

18 de fevereiro de 2012 

 José Gomes Temporão, médico, doutor em medicina social, ex-ministro de saúde e diretor-executivo do Instituto Sul-americano de Governo de Saúde (Isags)
Priorizar a estruturação de uma rede integrada de atenção primária no SUS, que tenha como base o atual PSF/NASF/CAPS/SAMU/Farmácia Popular, de alta qualidade, que cubra 100% da população brasileira (incluindo os 40% que hoje contam com planos e seguros privados).
Essa rede deve se integrar programaticamente com as áreas de educação, assistencia social, cultura, etc., em uma perspectiva transversal e transdisciplinar.
Ênfase absoluta em políticas e estruturas voltadas para a humanização, construção de vínculos, clínica ampliada.
Investir pesadamente em educação, aperfeiçoamento, capacitação dos trabalhadores da saúde. Pesquisa, inovação e fortalecimento da capacidade nacional para o desenvolvimento e produção de tecnologias necessárias para esse modelo.

 Ana Costa, Médica, Doutora em Ciências da Saúde e Presidenta do Cebes
Para que o Sistema Único de Saúde (SUS), conquistado e criado na Constituição de 89, se consolide como um projeto nacional, solidário e comprometido com a justiça social, é necessário, em primeiro lugar, que seja garantida uma fonte estável para o seu financiamento, ampliando o gasto público com saúde, que hoje é incompatível com as necessidades da população.
Mais recursos para a saúde são necessários para conferir o valor ético e político superior à vida e à saúde no contraponto aos valores do mercado e do capital, incompatíveis com a saúde. É preciso acabar definitivamente com o falso argumento da falta de gestão para explicar as mazelas do setor. Falta, antes de mais e melhor gestão, mais recursos para cumprir o conjunto das conquistas constitucionais para a saúde.
Mas, objetivamente, pediria a Presidenta Dilma o que fazer para melhorar a condição da saúde da população com mais recursos que o governo irá conceder mostrando o seu compromisso com a saúde?
A diretriz e primeira prioridade é acabar com a precariedade do atendimento nos serviços do SUS, garantindo prontidão e dignidade aos que precisam de cuidados de saúde. Aos que argumentam que esta diretriz ou proposta é imprecisa e vaga, vamos tentar então traduzi-las em algumas ações e metas concretas: Acabar com as filas nas emergências, nos ambulatórios gerais e especializados, particularmente nos tratamentos de cânceres, nas doenças crônicas, nas cirurgias eletivas; garantir a realização de exames que nunca devem ultrapassar 30 dias entre o pedido médico e o resultado no prontuário; ampliar a oferta de medicamentos para garantir a assistência farmacêutica.
É inadmissível que a população não tenha ainda acesso seguro e regular aos medicamentos e exames vinculados ao ato terapêutico, da mesma forma que é inadmissível que as mulheres gestantes continuem sem garantias de acesso e qualidade no atendimento ao parto.
Para estas conquistas, é necessário consolidar as redes assistenciais integradas que tenham a atenção primária como coordenadora da saúde e responsável pelo cuidado das pessoas, rompendo com a fragmentação e baixa resolutividade hoje existente.
É preciso fixar os profissionais que integram a equipe de atenção básica, garantindo o vínculo das pessoas. Dar condições de trabalho, qualificar.  É preciso radicalizar na consolidação desse modelo que dá segurança e garantia ao cidadão de que o estado, de fato, se responsabiliza por ele no dia a dia e na hora da doença e da necessidade.
Uma meta deve ser a de avançar neste modelo para tornar as UPAS prescindíveis, acabar com elas a curto prazo, por meio da instalação de redes permanentes e resolutivas que dêem conta de atender o universo da população, da atenção primaria ao serviço mais especializado, com qualidade.
As Upas atendem a interesses e objetivos não alinhados ao modelo da saúde preconizado, mundialmente reconhecido e eficientemente praticado. Mais que unidades de vínculo e de gestão do cuidado nos moldes recomendados, elas tiveram como objetivo e mérito  resolver as filas. Entretanto, esta "solução" é inadequada pois realizam atendimentos pontuais às necessidades das pessoas. Tentam, na verdade, sem sucesso, resolver uma situação decorrente da inoperância das redes de assistência. O único e definitivo tratamento para este problema é melhorar as redes, consolidá-las como recursos permanentes de cuidado à saúde com os quais a população vinculada sabe que pode contar.
Tem que ser recuperada a estratégia das redes de serviços integrais, que atendem famílias com suas diversas e complexas questões de saúde.  Para ter impacto e sustentabilidade, estas redes não devem ser fracionadas ou segmentadas por tipo de atendimento, patologia ou agravo. Caso contrário, o SUS retorna aos tempos da saúde publica pré-SUS, tempos dos programas verticais ineficientes, pautados pela lógica dos recursos e organização das equipes, não na necessidade integral de saúde dos usuários.
É preciso que o Brasil faça uma escolha definitiva por um sistema público e que os governos eleitos não tenham chance de recuar nesse propósito, de acordo aos interesses de cada grupo político que alça o poder. É preciso regular com firmeza a presença e as relações entre o público e privado.
Nessa perspectiva, estes novos e justos recursos para a saúde devem também ser aplicados nas tecnologias de combate à corrupção, no aperfeiçoamento da gestão pública da saúde, em melhora de salários e de condições de trabalho para os profissionais de saúde.
Entretanto, urge que sejam tomadas algumas decisões políticas que não podem mais ser adiadas como é o caso dos hospitais lucrativos que continuam sendo considerados como filantrópicos e, por isso, continuam recebendo subsídios públicos.
É preciso decidir pelo fim da dupla porta de entrada, uma para clientela SUS e outra para planos privados que existem hoje em inúmeros hospitais públicos e contratados.
Na perspectiva de fortalecer o sistema público de saúde, o SUS precisa contar com mecanismos legais que sejam baseados no estabelecimento de metas e responsabilidades sanitárias claras a serem cumpridas pelos gestores e governos.
O SUS vem avançando e se impondo no mar dos interesses privados na saúde, mas o seu ritmo de implantação esbarrou, de forma definitiva, na falta de recursos. Nesta perspectiva, há muito a ser feito para satisfazer as expectativas do povo que pede por mais recursos por meio do Movimento Saúde Mais Dez e, assim, cumprir o papel para o qual foi criado: ser um sistema público, universal e de qualidade.

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Amanhã, confira as propostas de mais atores do setor da saúde.
Para participar, envie sua contribuição para comunicacao@cebes.org.br   



Fonte: Cebes

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