fevereiro 28, 2013

Polo Naval, uma pauta que não comporta manipulação da informação

PICICA: A experiência do enfrentamento do movimento socioambiental SOS Encontro das Águas contra a empresa subsidiária da Vale, que queria construir um terminal portuário na região do Encontro das Águas em Manaus, nos deixou atento às manobras dos 'defensores do desenvolvimentismo' predatório. Durante um bom tempo a empresa construtora usou o espaço da imprensa local investindo pesadamente em publicidade em páginas inteiras dos jornais. Na tentativa de cooptar a opinião pública, mascarou os impactos socioambientais e a infringência dos direitos humanos da principal comunidade a ser atingida, no caso a Colônia Antonio Aleixo. Além dos remancescentes de comunidades ribeirinhas ali residentes, o projeto ameaçava o último igapó do perímetro urbano de Manaus, que juntamente com as pedras das Lajes constituem lugar de desova dos jaraquis que abastecem Manaus. Os 'satélites' que giram em torno dos interesses do capital, logo se apressaram em colaborar disseminando informações de que o referido movimento - que contou com o apoio de ilustres personalidades - do advogado Félix Valois ao escritor e dramaturgo Márcio Souza; do escritor e editor Tenório Teles ao poeta Thiago de Mello - estava a serviço de um cidadão proprietário do Porto Chibatão, conhecido durante muito tempo como o principal beneficiário de uma lucrativa atividade, na medida em que reinava praticamente sozinho numa cidade carente de política de embarque e desembarque dos produtos da Zona Franca de Manaus. O movimento socioambiental usou de todos os meios - sobretudo as redes sociais - para deixar claro quem eram os manipuladores de informação. Por motivos semelhantes, no momento em que entra na pauta do debate público a implantação do Polo Naval de Manaus, diante dos que querem turvar a imagem dos defensores dos direitos humanos ameaçados pelos que querem abortar a prática do contraditório, resolvemos denunciar a repetição subliminar dos argumentos que pretendem jogar os ribeirinhos e seus apoiadores contra a opinião pública. Em causa, os direitos sociais, econômicos e culturais das comunidades ribeirinhas tradicionais. Diferentemente dos que defendem desenvolvimento a qualquer preço, vagamente sustentado em relatórios de impactos ambientais até agora marcados por insustentável e precária argumentação, o movimento de apoio às comunidades que foram surpreendidas pelo decreto governamental que desapropria a terra de seus ancestrais, deixa claro que nenhum desenvolvimento é possível sem o respeito aos direitos civis e políticos vigentes no país. É sabido que a nova legislação brasileira sobre a navegação no país recomenda que os barcos de madeira - de longa tradição na Amazônia - sejam substituídos pela conhecida engenharia naval que produz barcos de metal. O legislador operou em favor do cidadão que, submetido às pressões do mercado, tem sua vida em risco ao viajar em embarcações que misturam mercadorias a famílias inteiras que se deslocam pelos rios amazônicos. Os números dos naufrágios tem deixado um rastro de mortes inaceitável. Para tanto, se faz necessário a implantação de Polos Navais que operem as mudanças previstas em lei, embora não se saiba quais estratégias serão estabelecidas para tanto. Eis aqui o testemunho de um importante cientista social, descrito num artigo que escrevi a três mãos sobre a disseminação do vírus HIV no interior da Amazônia, a pedido do Professor Marcus Luiz Barroso Barros, médico então responsável pela Coordenação do Escritório Técnico Regional da Fiocruz da Amazônia, para a publicação "Espaço & Doença - um olhar sobre o Amazonas:

"As malhas rodoviárias e fluviais exercem importante papel na disseminação do vírus no estado. O professor Samuel Benchimol, da Universidade do Amazonas, chama atenção para o fato de que só no Amazonas a população passou de 708.459 em 1960, para 2.102.901 em 1991.
[...]
Quanto à rede fluvial, em toda sua extensão, há uma grande mobilidade da população, migrante ou não, entre a capital, o interior e países vizinhos, através de 25 mil embarcaçõoes cadastradas na Capitania dos Portos e, aproximadamente, outras 75 mil não registradas. Sabidamente, o vírus HIV que não respeita sexo, credo, classe social, tampouco vem respeitando a geografia."
 (Adele Benzaken; José Carlos Sardinha; Rogelio Casado - "Aids no Amazonas: retrospectiva histórica e situação atual" - Espaço & Doença: um olhar sobre o Amazonas - organizado por Luisa Iñiguez Rojas; Luciano Medeiros de Toledo - Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1998)
Dito isto, esbelecido o nível de informações necessárias podemos dialogar. Eis a questão. O que está em jogo de fato? É fato que existem outros objetivos que vão além da construção do Polo Naval, como vem sendo divulgado por material publicitário de um parlamentar do PT. Os ribeirinhos foram em busca de resposta no MPF. Conseguiram abrir uma porta. Bem-vindxs, leitorxs, ao mundo das comunidades tradicionais de ribeirinhos da área rural de Manaus. Acompanhe e apoie a luta dos riberinhos por aqui.

Embarcações típicas do Amazonas. Embarcações semelhantes, com poucas variações, navegam transportando milhares de pessoas todos os dias nos rios da Amazônia. Costa do Rio Amazonas, margem direita, na área rural do município de Manaus (Foto: Rogelio Casado)

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