março 31, 2013

"A Poética da Páscoa: Feliz Êxodo, Feliz Ressurreição", por Hugo Albuquerque

PICICA: "Spinoza, em um dos mais belos capítulos da história da Filosofia, nos ensinou que as Escrituras importam não porque são relatos precisos, mas porque mesmo em sua natureza imaginária possuem uma dimensão real. O imaginário é, portanto, real enquanto imaginário e, também, na realidade que as imagens não deixam de nos passar. O comum da religião, a possibilidade de comunhão entre o Homem e  Deus (ou Natureza). 

E religião não se confunde com "teologia", nunca se confundiu. A religião não é sinônimo de platonismo do mesmo modo que a política, e também a ciência, não estão livres disso, basta ver toda história do totalitarismo no século 20º.  Nem mesmo o monoteísmo é a expressão necessária do platonismo, basta ver inúmeros movimentos históricos, dos místicos essênios no tempo de Cristo ou mesmo a Teologia da Libertação (que era tanto mais uma libertação da teologia) acolhendo os pobres diante do terror das ditaduras militares na América Latina." 

A Poética da Páscoa: Feliz Êxodo, Feliz Ressurreição

Ressurreição de Cristo -- Rafael
A história da Páscoa, a Passagem, é amplamente conhecida. Eis o povo hebreu, a multidão produtiva feita escrava na nascente civilização: eram, àquela época, cativos no Egito, sujeitos ao poder soberano do Faraó. Liderados por Moisés, escapam ao domínio do despotismo por meio da fuga. Está tudo lá. A potência produtiva dos pobres, o êxodo, a linha de fuga como expressão máxima de resistência, a debilidade congênita de (qualquer) ordem imperial -- todas parasitárias -- e, sobretudo, o desfecho na exceção verdadeira da multidão, no evento da miraculosa travessia do Mar Vermelho.

A Páscoa cristã simboliza a passagem do Cristo e sua vitória sobre a morte: a exceção constitutiva da biopolítica sobre a exceção destrutiva do biopoder. Nenhuma sentença de morte, nenhum juízo imperial sobre a vida e a morte, é capaz de, em último caso, negar a vida ou absorvê-la por completo. É o que me interessa no cristianismo, isto é, seu aspecto filosoficamente antifilosófico -- no sentido de oposto à tradição, seja ao platonismo, as fórmula ideais de exclusão e da submissão, ou à ditadura da Lei como fórmula derradeira da legitimação daquilo que, por sua natureza, é ilegítimo. 

O primeiro episódio em relação ao segundo é o eterno retorno daquilo que há de mais intenso, daquilo que força as coisas ao seu limite. A potência da multidão e o testemunho dado com o próprio corpo contra o Império. Fluxos livres, jeitos que não se deixam fazer su(b)jeitos e passam para além de esquemas. Nada mais belo. Retomar a Páscoa, em tempos de cólera, é fundamental. Seja por uma questão de continente ou por outra, de conteúdo. 

Spinoza, em um dos mais belos capítulos da história da Filosofia, nos ensinou que as Escrituras importam não porque são relatos precisos, mas porque mesmo em sua natureza imaginária possuem uma dimensão real. O imaginário é, portanto, real enquanto imaginário e, também, na realidade que as imagens não deixam de nos passar. O comum da religião, a possibilidade de comunhão entre o Homem e  Deus (ou Natureza). 

E religião não se confunde com "teologia", nunca se confundiu. A religião não é sinônimo de platonismo do mesmo modo que a política, e também a ciência, não estão livres disso, basta ver toda história do totalitarismo no século 20º.  Nem mesmo o monoteísmo é a expressão necessária do platonismo, basta ver inúmeros movimentos históricos, dos místicos essênios no tempo de Cristo ou mesmo a Teologia da Libertação (que era tanto mais uma libertação da teologia) acolhendo os pobres diante do terror das ditaduras militares na América Latina. 

Não é religião ou política (laicidade, modernidade ou ciência), mas um confronto aberto ao que desgraça ambas. É assumir uma fé prática, sem esperança ou medo -- ou crenças no futuro -- ancorada no amor incondicional, em uma paixão pelo real e pelo atual que nos permite resistir até o fim diante, até mesmo, do que há de mais desesperador. Uma fortaleza existencial e re-existencial, voltada ao que há de comum entre o eu e o todo, o nós e a natureza. Não ter medo de rezar enquanto a chuva cai para, mas não rezar por medo: encontrar o Paraíso que está aqui e agora, à nossa mão. A religião, mesmo o monoteísmo, como liberdade e potência.
Fonte: O Descurvo

"Homossexuais na Idade Média", por Antonio Ozaí da Silva

PICICA: “Cristo não havia delineado um conjunto abrangente de ética sexual, e não há registro de que tenha encontrado algum homossexual. Mas, quando se deparou com uma adúltera sendo apedrejada – e o adultério era, como a homossexualidade, uma ofensa capital na lei do Antigo Testamento – disse: “Aquele dentre vós que não tiver pecado, atire a primeira pedra”, e, para a mulher, “Vai, e não peques mais”. Perdão e compreensão, então, em vez de punição, era a mensagem de Cristo”.

Homossexuais na Idade Média

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Qual a postura da Igreja Católica e da cristandade sobre a homossexualidade na Idade Média? “Visto que o sexo, segundo os ensinamentos cristãos, foi dado ao homem unicamente para os propósitos da reprodução e por nenhuma outra razão, qualquer outra forma de atividade que não levasse ou não pudesse levar à procriação era um pecado contra a natureza. Os pecados contra a natureza incluíam especificamente a bestialidade, a homossexualidade e a masturbação”, escreve Jeffrey Richards.[1]
Já no século IV, Santo Agostinho, uma das mais importantes autoridades da Igreja, foi taxativo:

“Pecados contra a natureza, por conseguinte, assim como o pecado de Sodoma, são abomináveis e merecem punição sempre que forem cometidos, em qualquer lugar que sejam cometidos. Se todas as nações os cometessem, todas igualmente seriam culpadas da mesma acusação na lei de Deus, pois nosso Criador não prescreveu que pudéssemos utilizar uns aos outros dessa maneira. Na realidade, a relação que devemos ter com Deus é ela mesma violada quando nossa natureza, da qual ele é o Autor, é profanada pela lascívia perversa”.[2]
Estas palavras, retiradas das Confissões de Santo Agostinho, são inspiradas por uma determinada leitura e interpretação bíblica, ainda presente[3], de Levítico:

“Não te deitarás com um homem como se deita com uma mulher. É uma abominação” (Lv., 18, 22).
“O homem que se deitar com outro homem como se fosse uma mulher, ambos cometeram uma abominação: deverão morrer, e o seu sangue cairá sobre eles” (Lv., 20, 13).[4]
Vemos o quanto é perigoso a leitura literal e fundamentalista da Bíblia. Se devem morrer, alguém deve ser o instrumento de Deus que cumpre a sentença condenatória. Afinal, homofóbicos e fanáticos religiosos imaginam-se imbuídos de uma missão purificadora. Mas, retornemos à Idade Média – muito embora persistam pensamentos e posturas medievais em pleno século XXI! Na medida em que o cristianismo medieval concebia o sexo apenas para procriar e considerava antinatural e pecaminoso tudo o que não se enquadrasse nesta perspectiva, qual é a sua posição diante dos pecadores? O Antigo Testamento não deixa dúvidas. Cristo, porém, teve uma atitude tolerante, compassiva e amorosa. Como assinala Richards:

“Cristo não havia delineado um conjunto abrangente de ética sexual, e não há registro de que tenha encontrado algum homossexual. Mas, quando se deparou com uma adúltera sendo apedrejada – e o adultério era, como a homossexualidade, uma ofensa capital na lei do Antigo Testamento – disse: “Aquele dentre vós que não tiver pecado, atire a primeira pedra”, e, para a mulher, “Vai, e não peques mais”. Perdão e compreensão, então, em vez de punição, era a mensagem de Cristo”.[5]
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Outra foi a mensagem da cristandade medieval. Os primeiros padres da Igreja adotaram a linha condenatória. Suas opiniões foram sacramentadas em lei quando o império romano assumiu o catolicismo enquanto religião oficial. O imperador Justiniano (527-65), que se considerava o representante de Deus, impôs um rígido código moral e a homossexualidade passou a ser passível da pena de morte:

“Justiniano tinha uma visão dos atos homossexuais como sendo literalmente uma violação da natureza que provocava a retaliação da mesma: “por casa destes crimes ocorrem fomes coletivas, terremotos e pestes”, declarou. Este refrão deveria retornar no período posterior à Idade Média, quando uma sucessão de calamidades que surpreendeu a cristandade foi diretamente atribuída pelos pregadores populares e pelos teólogos à existência da sodomia”.[6]
Outro santo, Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, concordava que o ato inatural, ou seja, todo ato sexual que não cumprisse o preceito de servir à reprodução da espécie, ainda que praticado sob consentimento mútuo ou individualmente, ou mesmo sem acarretar prejuízo a outrem, era caracterizado como o pior dos pecados, uma injúria a Deus:

“Eles violavam a ordem natural determinada por Deus. Por ordem crescente de gravidade, os pecados contra a natureza eram: masturbação, relação inatural com o sexo oposto[7], relação homossexual e bestialidade. Estas concepções eram amplamente determinadas, e se, em alguma medida, a literatura foi um reflexo da opinião popular, elas predominaram na sociedade secular”.[8]
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Nos séculos XII e XII, a política eclesiástica e civil contra a homossexualidade tornou-se ainda mais rigorosa. O Concílio de Nablus (1120), determinou que “o adulto sodomita persistente e do sexo masculino seria queimado pelas autoridades civis”.[9] Esta medida colocava os homossexuais “no mesmo patamar que os assassinos, hereges e traidores”. O passo seguinte foi a penalização cada vez mais crescente pela lei secular. De um lado, o puritanismo moralista mobilizou-se para reprimir a homossexualidade. Por outro, a “inquisição e as irmandades leigas associadas com as ordens mendicantes tornaram-se instrumentos de perseguição aos hereges e sodomitas”. O Concílio de Siena (1234) passou a designar homens cuja função era caçar sodomitas. O objetivo desses ancestrais medievos dos homofóbicos e fanáticos religiosos modernos era “honrar ao Senhor, assegurar a paz verdadeira e manter os bons costumes e uma vida louvável para o povo de Siena”.[10]

“O vício que não pode ser nomeado”[11] passou a ser cada vez mais perseguido. A sodomia deveria ser extirpada da sociedade, os sodomitas deveriam ser excluídos social e fisicamente. A homossexualidade foi equiparada a uma doença contagiosa, às impurezas que contaminavam a pureza cristã e social:

“Assim como o lixo é retirado das casas, de modo a que não as infecte, os depravados devem ser afastados do comércio humano pela prisão ou pela morte.” O pecado tem que ser destruído pelo fogo e extirpado da sociedade. “Ao fogo!” esbravejava são Bernardino em sua assembléia. “Eles são todos sodomitas! E vós estareis em pecado mortal se tentardes ajudá-los.”[12]
Em conclusão, nas palavras de Jeffrey Richards:

“O cristianismo era fundamentalmente hostil à homossexualidade. A mudança na Idade Média não foi um deslocamento da tolerância para a intolerância por razões não-intrínsecas às crenças cristãs, mas uma alteração nos meios de lidar com a questão. No período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos homossexuais prosseguir em sua atividade homossexual sem punição. Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação”.[13]
Era? Deixou de sê-lo? Qual o peso e influência do ideário teológico medieval sobre os homens e mulheres do nosso século? É certo que não se acendem mais as fogueiras inquisitoriais, mas a inquisição, sob outras formas, incluindo as mais sutis, persiste. Imagine o pai e a mãe de um filho homossexual diante dos são Bernardinos do nosso tempo! É curioso como os inquisidores se candidatam a santos e como muitos terminaram por ser canonizados! De qualquer forma, o preconceito contra a homossexualidade tem raízes profundas e milenares. Os mortos dominam o cérebro dos vivos e, apesar do passar do tempo, são renitentes! De certa maneira, a cada pensamento e gesto preconceituoso em relação à homossexualidade ressuscitamos os inquisidores medievais! Talvez devêssemos nos espelhar mais em Cristo do que nos santos padres da Igreja ou no Antigo Testamento.






[1] RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 136.

[2] Apud in idem.

[3] Sugiro que assista ao documentário Como diz a Bíblia (For The Bible Tells Me So. Direção: Daniel G. Karslake. EUA, 2007, 95 min.).

[4] Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

[5] RICHARDS, 1993, p. 139.

[6] Idem.


[8] RICHARDS, 1993, p. 145-146.

[9] Idem, p. 146.

[10] Idem, p. 148.

[11] Idem, p. 149.

[12] Idem, p. 150.

[13] Idem, p. 152.

Fonte: Blog do Ozaí

"Movimento dos movimentos na cidade de Vitória", por Gabriel Ramos

PICICA: "[...] em meio ao caos do poder, a resistência acontece. Uma enxurrada de coletivos efêmeros, grupos e ativistas urbanos a favor das minorias começam a trazer um movimento na cidade que há muito tempo não se via: são grafiteiros, jornalistas, estudantes, ambientalistas, moradores de rua etc, que se interessam pelas causas, muitas vezes até mais pelo movimento por si do que aonde ele vai chegar, já que, de certa forma, é algo inédito nas últimas décadas da cidade. Talvez seja uma espécie de “movimento dos movimentos”, aquele não institucionalizado e constituído pelo próprio devir. 
Nesse contexto, apesar do governo, Vitória realmente parece estar mudando, mas pelas próprias pernas da multidão, que se ergue e quer exercer sua voz." 




Movimento dos movimentos na cidade de Vitória

30/03/2013
Por Gabriel Ramos


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Por Gabriel Ramos, midialivrista e arquiteto

A lógica de um tensionamento é, sem sombra de dúvida, uma das coisas mais interessantes que há no movimento político de uma cidade; ou seja, é aquela força-motriz capaz de fazer com que se repensem os modos de se governar e ser governado, ao tensionar e provocar resistência. E isso se torna mais instigante ainda quando um governo toma para si a capacidade de fazer a mudança, seja lá o contexto em que ela se encaixe. O que viria a ser o mote ideologicamente positivo, construído a partir de um bordão – “Muda, Vitória” – serve, paradoxalmente, de alavanca contrária para mostrar o quão careta a cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, tem se tornado, ao fazermos o recorte destes primeiros 100 dias de governo.

Na então eleição para prefeito, em 2012, os candidatos se apresentavam, ao final, ao redor de três discursos: o de continuidade, porém com uma roupagem feminina e forte na questão social (governo do PT); o da volta ao que era, do prefeito anterior (PSDB), muito forte na questão liberal; e uma terceira via (a vencedora, do PPS), amorfa, que já havia ocupado a secretaria de educação no governo do então prefeito do PSDB e, até o último instante, apresentou poucas propostas. Contudo, este se saiu vencedor, com o discurso da “mudança”.

Essa “mudança” hoje pode ser resumida da seguinte forma: a administração da Prefeitura de Vitória instaurou primeiro a ordem em detrimento do diálogo, especialmente no que diz respeito ao tratamento das minorias em detrimento à maioria: beneficiando a classe média. Dessas minorias, notamos a obscura retirada de moradores de ruas de seus lugares, além da destruição de projetos culturais ligados ao graffiti em pontos de ônibus; restrição de uso dos espaços públicos, quer por skatistas e patinadores, quer por transeuntes em geral; falta de coragem em dialogar com a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo, ligada à União e proprietária do espaço) para trazer à tona a discussão do espaço Armazém 5 (ocupado, na gestão anterior, pela Estação Porto: maior espaço gratuito aos encontros de Vitória), fazendo com que o mesmo esteja pronto para ser demolido e seja aumentada a área de armazenamento; por fim, a estranha carência de preparo para assumir um evento evangélico, com aproximadamente 125.000 pessoas na maior praça de Vitória: um caos assustador e incompreensível.

Porém, em meio ao caos do poder, a resistência acontece. Uma enxurrada de coletivos efêmeros, grupos e ativistas urbanos a favor das minorias começam a trazer um movimento na cidade que há muito tempo não se via: são grafiteiros, jornalistas, estudantes, ambientalistas, moradores de rua etc, que se interessam pelas causas, muitas vezes até mais pelo movimento por si do que aonde ele vai chegar, já que, de certa forma, é algo inédito nas últimas décadas da cidade. Talvez seja uma espécie de “movimento dos movimentos”, aquele não institucionalizado e constituído pelo próprio devir.

Nesse contexto, apesar do governo, Vitória realmente parece estar mudando, mas pelas próprias pernas da multidão, que se ergue e quer exercer sua voz.

Fonte: Rede Universidade Nômade

março 30, 2013

"Jean Wyllys, os tabus e as contradições da “questão evangélica”", por Bruno Cava

PICICA: "Uma das poucas vezes em que se pôde compreender politicamente a relação dos pobres com a religião e o cristianismo, foi na época da fundação do PT e do MST, quando as pastorais católicas exerceram um papel fundamental e incontornável.

Só durante o governo Lula, que soube compreender e se deixar atravessar por essas dinâmicas e subjetividades, foi possível agenciar uma força política com os pobres. Esse agenciamento atravessa, sem dúvida, o trabalho de base realizado pelas igrejas em todo o território nacional. Nenhuma força de esquerda tem influência política à altura dessa cauda longa de igrejinhas, cultos e comunidades. O governo Lula soube se ligar ao movimento, como a muitos outros “desde baixo”. Não à toa, o tremendo realinhamento eleitoral a partir de 2006, quando o voto do pobre migrou decisivamente da direita à esquerda partidária. Momento próximo, aliás, de quando parte da velha esquerda, ainda que repaginada com o colorido da diferença, porém reproduzindo os mesmos erros de 100 anos, passou a acusar o governo de traição. Quando se passam a sínteses mais amplas sobre a realidade brasileira, muitas vezes o discurso centrado na diferença se torna ambíguo em relação ao protagonismo dos pobres, sua feição, sua “consciência”. Para mim, isso ficou bem claro naquele embate entre “progressistas” da pauta LBGT e “progressistas” do campo evangélico, embora a questão transcenda esse recorte." 

Jean Wyllys, os tabus e as contradições da “questão evangélica”
 

No último dia 21, compareci na Glória para o lançamento do livro Religião e política, que trata “da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil”.

Na mesa, estavam duas pesquisadoras, um membro da secretaria de direitos humanos do Rio, o deputado Jean Wyllys e um pastor metodista da rede política de evangélicos Fale. O auditório era eclético, com militantes de movimentos LGBT e negro, ativistas do campo evangélico, um sacerdote muçulmano, mais pesquisadores e estudantes em geral. Uma composição que poderia propiciar, pela vontade construtiva, pontes entre os vários “campos”, diante das perplexidades da política brasileira contemporânea. É salutar ir além dos “campos” que a grande imprensa e o senso comum delimitam diariamente, em conveniente reducionismo, mas que certamente não correspondem à complexidade das forças políticas envolvidas.

As exposições foram boas, sobre a difícil luta das minorias num país com ainda poucos direitos às mulheres, negros, LGBT, índios etc. As pesquisadoras falaram sobre a pesquisa e basicamente expuseram os desafios do movimento, no contexto de aberto discurso antiminorias por parte de parlamentares das bancadas evangélica, católica e da família brasileira. Jean, como sempre, fez uma boa fala ao rememorar a história dos preconceitos no Brasil, se referir à permanente desqualificação de seu discurso e atuação corajosa, por ser homossexual assumido, bem como a constância da violência homofóbica e do bloqueio a pautas inadiáveis, por exemplo, a legalização do aborto ou o casamento igualitário. A modernização do Brasil Maior não está contemplando as minorias, o que fica óbvio quando um deputado homofóbico como Marco Feliciano encabeça uma comissão de direitos humanos e minorias.

Até aí, não poderia concordar mais.

O problema começou quando Jean Wyllys foi além da pauta imediata que ele trabalha, para apresentar sínteses sobre a “questão evangélica” no Brasil. Embora tenha citado alguns aliados entre grupos e lideranças religiosas, a meu ver, terminou por reproduzir vários preconceitos e generalizações. O que é duplamente problemático. No final das contas, essas generalizações atuam exatamente para fortalecer os homofóbicos evangélicos, e o conservadorismo que grassa em muitos coletivos e grupos socias brasileiros, de matiz religioso ou não.

Faço obviamente uma interpretação do que ouvi:

Para Jean, existe um avanço do neopentecostalismo no Brasil. O governo Lula não só foi conivente com esse avanço, ao se aliar com forças políticas do campo evangélico, como adubou as suas condições nas bases. É que ocorreu um declínio do ensino público no governo Lula. O déficit educacional abriu as portas para a maior alienação das pessoas. Quem melhor aproveitou a situação foram as igrejas evangélicas e os pastores. Oportunistas, eles trataram de manipular mentes e corações, e foram construídas fortunas, verdadeiros negócios e bancadas parlamentares em cima disso. As conquistas sociais do governo Lula foram muito limitadas: teria acontecido uma inclusão pelo consumo. Daí os pobres sejam mais induzidos a comprar carro, casa e ipad, do que em lutar por direitos. Sem senso crítico, enfim, não é possível acolher a diferença no mundo da vida (nessa altura, o deputado citou Hanna Arendt). Isto é, não é que os pobres tenham culpa: o problema central é a educação.

Simplesmente não dá pra engolir essa narrativa. Alguém que se construiu politicamente ao redor do discurso da abertura à diferença, não pode se fechar de maneira tão reducionista, à beira da intolerância. Os evangélicos presentes, em sua maioria (provavelmente todos) também contra Feliciano, se sentiram atingidos pela fala. O último a falar, o pastor metodista da rede Fale (que apresentou uma petição com 20.000 assinaturas de evangélicos contra Feliciano), pontuou que não se podem desconsiderar as tensões internas e divisões no que a imprensa e o senso comum apresentam monoliticamente como “campo evangélico”. Que qualquer estratégia de resistência à bancada conservadora, que inclui deputados evangélicos, não pode prescindir dos próprios evangélicos. No entanto, naquele momento, a ideia de erigir pontes praticamente se esfacelava na esteira da fala do deputado.

Evidentemente, nas intervenções de apoiadores de Jean e/ou do movimento LGBT, ele foi muito aplaudido. Isso apenas me deixou mais angustiado com o fogo cruzado. Parecia incorrermos numa dicotomização que reforça tanto os evangélicos homofóbicos e autoritários, quanto certo discurso ambíguo por dentro dos movimentos pró-diferença, quando ampliam os horizontes de análise, e que acabam reproduzindo preconceitos contra o pobre brasileiro e sua “ascensão” na última década. Por sinal, essas tendências conservadoras, no movimento evangélico ou gay, não estavam ali presentes, ou pelo menos não majoritariamente.

Parte do problema, em que Jean pelo menos esbarrou nalguns momentos, está na aplicação da famosa “hipótese Lula”, quase um “padrão PSOL” de crítica ao governo e o governismo. Para desqualificar a massificação de políticas sociais, lhes atribui um caráter meramente assistencialista e eleitoreiro. O que se nivela com os argumentos da direita brasileira, desde sempre desqualificadora do pobre, e para quem a grande referência do Brasil moderno é a classe média branca e ilustrada (eles mesmos). O discurso educação-vem-primeiro tem muito a ver com a percepção de que os pobres sejam deseducados, sem “consciência política”, suscetíveis à “sedução”, e que antes de lhes conferir poder e influência devam ser salvos da ignorância por quem já estudou. Sustentam, ainda que nas entrelinhas, que o pobre necessita de formação para chegar no patamar crítico, esse que a esquerda branca e ilustrada já teria atingido, a única ainda capaz de razão desinteressada. Sem isso, não se pode ter democracia voltada ao interesse geral, e recaimos todos cronicamente no patrimonialismo, o qual, segundo a tese conservadora, é a grande doença do estado brasileiro.

E parte do problema está na equação evangélico = fundamentalista = direita reacionária e obscurantista. Essa generalização não só contorna a complexidade de tendências e forças dentro do “campo evangélico”, como fortalece os vetores conservadores, como, por exemplo, o que mantém o mandato de Marco Feliciano. A bancada evangélica é minoria em relação à bancada da família brasileira — por que o foco frequente só nela? Vamos, sim, combater Feliciano, os evangélicos homofóbicos, mas com igual raiva e empenho os católicos homofóbicos, os ateus racistas, os socialistas machistas. Afinal, nada é mais fundamentalista e ameaçador, como comprova a história das lutas, do que a elite brasileira, obscurecida por histerias e temores e ódios intestinos, e a quem serve uma ordem social violentamente racista, patriarcal e classista que assassina diariamente as minorias. Como se o “avanço dos evangélicos” fosse uma onda ameaçadora, obscurantista, um perigo contra o “estado laico” e a tolerância, num país que jamais conheceu democracia na base, e cujo único momento de real mudança se deu nos últimos 10 ou 15 anos.

Vivemos a versão brasileira da islamofobia: o avanço evangélico equivale ao “perigo árabe”. Mas, no nosso caso, em vez de a Europa ocupar o lugar da civilização assaltada pela mancha bárbara, aqui é a classe média branca e ilustrada, quer dizer, a nossa própria mini-Europa pretensiosamente evoluída, que não por acaso adora passear em pontos in de cidades charmosas do velho mundo (Jessé Souza). É como se a própria Europa não tivesse se construído a partir dos bárbaros, árabes e imigrantes; como se a própria classe média brasileira, branca e ilustrada, com sua boa consciência forjada num mérito a-histórico, pudesse existir sem a exploração sistemática dos pobres, a violência e o racismo.

Quando se perseguem os crentes e se demonizam os cultos neopentescostais, é favorecido o discurso pastoral mais achatado, que robustece uma “identidade evangélica” e uma pauta voltadas à pior moral cristã. Estamos fazendo o jogo do inimigo, como naquelas disputas entre extremistas que se alimentam reciprocamente. A bancada evangélica agradece. Nesse aspecto, falta vivência e pesquisa para a esquerda branca e ilustrada, contumaz no erro histórico de não compreender o funcionamento dos arranjos produtivos e subjetividades entre os pobres. No Brasil, esse é um erro clássico que vem desde a aparição das primeiras camadas médias urbanas, passa pela esquerda pré-1964, atravessa a luta contra a ditadura (que não soube valorizar as bases), até o movimento antineoliberalismo dos anos 1990 (preso aos slogans estatólatras).

Uma das poucas vezes em que se pôde compreender politicamente a relação dos pobres com a religião e o cristianismo, foi na época da fundação do PT e do MST, quando as pastorais católicas exerceram um papel fundamental e incontornável.

Só durante o governo Lula, que soube compreender e se deixar atravessar por essas dinâmicas e subjetividades, foi possível agenciar uma força política com os pobres. Esse agenciamento atravessa, sem dúvida, o trabalho de base realizado pelas igrejas em todo o território nacional. Nenhuma força de esquerda tem influência política à altura dessa cauda longa de igrejinhas, cultos e comunidades. O governo Lula soube se ligar ao movimento, como a muitos outros “desde baixo”. Não à toa, o tremendo realinhamento eleitoral a partir de 2006, quando o voto do pobre migrou decisivamente da direita à esquerda partidária. Momento próximo, aliás, de quando parte da velha esquerda, ainda que repaginada com o colorido da diferença, porém reproduzindo os mesmos erros de 100 anos, passou a acusar o governo de traição. Quando se passam a sínteses mais amplas sobre a realidade brasileira, muitas vezes o discurso centrado na diferença se torna ambíguo em relação ao protagonismo dos pobres, sua feição, sua “consciência”. Para mim, isso ficou bem claro naquele embate entre “progressistas” da pauta LBGT e “progressistas” do campo evangélico, embora a questão transcenda esse recorte.

Parte fundamental do problema, e isso consiste num tabu, está no preconceito da esquerda que inverte o sinal desse empoderamento político dos pobres, muito acelerado no governo Lula. Mobilizados produtivamente por renda e consumo, os pobres galgaram um poder político inigualável em épocas anteriores. A ascensão dos evangélicos está assentada, de fato, nesses arranjos produtivos e subjetividades. É por isso mesmo que, dentro do “campo evangélico”, também pulsem tendências e tensões “progressistas”, quiçá um devir-minoritário! Obviamente, testar essa hipótese não passa pelos esquemas retrógrados da grande imprensa e do senso comum, nem do esquerdismo cuja militância não vai longe, que fala entre si e encontra sempre as mesmas figuras.

É preciso mudar as coordenadas de tempo e espaço da militância. Isso exige vivência, copesquisa, sair da zona de conforto onde temos um discurso pronto e esquemático, que inclusive nos constitui, mas que falha no critério básico da prática. E que bateu no teto, não tendo como reunir mais forças para ser efetivo.

Trata-se mesmo de uma tarefa emergencial. Ficando apenas na zona de conforto ativista, o avanço, esse sim, dos homofóbicos, racistas e machistas vai continuar. Até se pode derrubar Feliciano, mas as manchas obscuras e desconhecidas, para nós, continuarão a avançar, gerando perplexidade e contradição. Os bárbaros já estão dentro. São os pobres. É preciso reaprender tudo, voltar à prancheta, e sem preconceitos mergulhar na composição de classe, a única que pode, em escala, mudar o mundo para melhor. Eles já estão fazendo isso, e não vão continuar pedindo a nossa opinião por muito tempo, se não soubermos mudar de perspectiva.

Fonte: Quadrado dos Loucos

"John, um negro da terra", por José Ribamar Bessa Freire

PICICA: "John Monteiro trazia considerável experiência em pesquisa documental nos arquivos das Américas, da Europa e da Índia. Publicou, em 1994, o livro seminal Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo. Lá, apoiado em farta documentação, redimensiona o papel dos índios na história de São Paulo e desconstrói a baboseira de que o bandeirante paulista contribuiu para alargar e povoar o território brasileiro. Recoloca na história do Brasil, como sujeito, o negro da terra ou gentio da terra, expressão usada para designar o índio escravizado.


JOHN, UM NEGRO DA TERRA
José Ribamar Bessa Freire

31/03/2013 - Diário do Amazonas


Ele nasceu, em 1956, nos Estados Unidos. Era americano. Portanto tinha, inapelavelmente, que se chamar William ou John. Ficou John. Mas por ser filho de português, seu destino era ser registrado como Manuel ou Joaquim. Acabou herdando o Manuel do pai. E foi com esse nome composto - John Manuel - que veio de mala, cuia e Machado para o Brasil, onde criou raízes, filhos, livros e deixou marcas.
Aqui deu aulas, palestras e conferências, organizou eventos, iniciou estudantes na pesquisa, formou mestres e doutores, fez discípulos, vasculhou arquivos, pesquisou, escreveu, publicou, amou e foi amado, apaixonou-se pela história indígena, abrasileirou-se e transfigurou-se em negro da terra, termo consagrado em um de seus livros sobre índios e bandeirantes.
Foi ironicamente na Rodovia Bandeirantes, em Campinas, na terça-feira, que um táxi desgovernado chocou o carro dirigido por John, eliminando um dos expoentes da história indígena. Ele morreu no local, aos 56 anos, no auge de sua vida intelectual, vítima da guerra absurda do trânsito, que no Brasil mata anualmente mais do que qualquer guerra civil. Na última quinta-feira, 28 de março, depois de velado no salão da biblioteca, na Unicamp, foi levado para o Crematório na Vila Alpina, em São Paulo.
Índios e bandeirantes
O historiador John Manuel Monteiro era paulista, mas paulista de Saint Paul, Minnesota, onde nasceu. Lá, muitos moradores descendem de alemães e escandinavos, que migraram para os Estados Unidos no final do século XIX, encurralando a população nativa em reservas indígenas, que hoje sediam cassinos. Quando os portugueses e hispânicos chegaram, os índios já eram minoria discreta, mas capazes ainda de despertar o interesse de um pesquisador sensível e generoso como John, um paulistano de coração.
Desde a graduação em história, no Colorado College (1974-78), ele vinha buscando entender o processo de colonização portuguesa nos trópicos, inicialmente em Goa, na Índia, e depois no Brasil. No mestrado (1979-1980), focou seu interesse sobre o Brasil Império, no século XIX, e finalmente no Doutorado (1980-1985) na mesma Universidade de Chicago, debruçou-se sobre a escravidão indígena, os bandeirantes e os guarani de São Paulo.
Quando o conheci, em 1992, apresentado por Manuela Carneiro da Cunha, ele trabalhava com ela num grande projeto interdisciplinar, de âmbito nacional, que procurava localizar, mapear e avaliar a documentação manuscrita sobre índios existente nos arquivos de todo o Brasil. Fui convocado para coordenar a equipe do Rio de Janeiro. Com John, entramos em cada um dos 25 grandes arquivos sediados no Rio. No final, ele organizou a publicação do Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros.
O objetivo do projeto era criar uma ferramenta para combater a cumplicidade da historiografia brasileira que "erradicou os índios da narrativa histórica" ou tentou "torná-los invisíveis". O Guia foi elaborado por equipes que reuniu mais de cem pesquisadores em todas as capitais do país, coordenados por John Monteiro. Localizou muitos documentos desconhecidos e até então inexplorados, criando as condições para "repensar, de forma crítica, tanto o passado quanto o futuro dos povos indígenas neste país".
John Monteiro trazia considerável experiência em pesquisa documental nos arquivos das Américas, da Europa e da Índia. Publicou, em 1994, o livro seminal Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo. Lá, apoiado em farta documentação, redimensiona o papel dos índios na história de São Paulo e desconstrói a baboseira de que o bandeirante paulista contribuiu para alargar e povoar o território brasileiro. Recoloca na história do Brasil, como sujeito, o negro da terra ou gentio da terra, expressão usada para designar o índio escravizado.
Dança dos números
As pesquisas de John Monteiro fizeram uma revisão profunda do discurso sobre a "extinção", mostrando como as populações indígenas foram afetadas pelo colonialismo. Ele discute não apenas o declínio demográfico, mas também "os processos de recuperação e rearranjo das populações e das unidades políticas indígenas" no Brasil colonial. O artigo que publicou em 1994 - a Dança dos Números: a população indígena do Brasil desde 1500 - trabalha com a noção de etnocídio, a qual acrescentou posteriormente a de etnogênese.
Logo após a promulgação, em 2008, da Lei 11.645, que torna obrigatória a temática indígena em sala de aula, John Monteiro publicou o artigo Sangue Nativo na Revista de História, abordando a escravização dos índios no Brasil. Contribuiu, dois anos depois, com a produção de documentários "Histórias do Brasil', exibidos pela TV Brasil. Desta forma, sua produção acadêmica alcançou os professores da rede pública e privada de ensino e penetrou nas escolas.
John Monteiro havia assumido recentemente a direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Unicamp. É conhecido, admirado e querido em todo o Brasil, em cujas universidades seus livros são discutidos, mas também no exterior. Orientou e dirigiu pesquisas na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e foi professor em várias universidades americanas - Harvard, Michigan e North Carolina-Chapel Hill (1985-86), onde nasceu Thomas, seu filho com Maria Helena Machado, pesquisadora da USP e companheira de todas as horas.   
No Grupo de Trabalho Índios na História, que John Monteiro articulava, sua morte foi sentida e pranteada. Mensagens de todos os recantos circularam nas redes sociais, expressando sentimento de dor pela perda irreparável. A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Nacional de História (ANPUH), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), entre outras, manifestaram o pesar da comunidade acadêmica:
"À sua esposa Helena e aos filhos Álvaro e Thomas, e demais familiares, estendemos nosso conforto e afeto. John será sempre lembrado por nós" - finaliza a nota da ABA, expressando um sentimento generalizado.
Aqui, no Diário do Amazonas, registramos um adeus saudoso a John Monteiro, reproduzindo mensagem do antropólogo Carlos Alberto Dutra, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul:
- Os povos indígenas perderam o historiador John Monteiro. Cientista social que sempre soube respeitá-los e traduzir para o mundo, para além das fronteiras da modernidade, suas lutas e seus direitos, pelos meandros da academia, seus livros e ensino. Que Ñhanderu o acolha e console seus admiradores pela perda.

Fonte: TAQUIPRATI

"Io e Te (Eu e você) de Bernardo Bertolucci", por Leandro Calbente

PICICA: "Io e Te, o mais recente filme do diretor italiano Bernardo Bertolucci, é um filme pequeno, mas não num sentido negativo. É pequeno pela sua simplicidade e singeleza, aquele filme que não se enche de grandiloqüência para tratar do seu tema. Não há excessos, nem exageros. E a pequenez não é apenas uma questão formal, mas trata-se do próprio tema do filme, uma experiência de compartilhamento e aprendizagem entre dois jovens irmãos" 


Io e Te, o mais recente filme do diretor italiano Bernardo Bertolucci, é um filme pequeno, mas não num sentido negativo. É pequeno pela sua simplicidade e singeleza, aquele filme que não se enche de grandiloqüência para tratar do seu tema. Não há excessos, nem exageros. E a pequenez não é apenas uma questão formal, mas trata-se do próprio tema do filme, uma experiência de compartilhamento e aprendizagem entre dois jovens irmãos. O protagonista do filme é Lorenzo, um adolescente bastante introvertido e com dificuldades em se relacionar com as pessoas. Parece que seu mundo gira apenas em torno de si próprio, por isso resiste a se relacionar com os outros e quando não tem escolha, por exemplo quando precisa estar junto de sua mãe, reage com agressividade ou desinteresse. É como se a presença do outro representasse uma forma de ameaça para a integridade de seu mundo, o que não deixa de lembrar a famosa máxima sartriana, o inferno são os outros. Nesse sentido, para Lorenzo o melhor dos mundos é o do isolamento, o estar sozinho consigo próprio. É apenas nesse momento de solidão que o garoto parece encontrar espaço para existir da forma como deseja, numa condição em que lhe parece ser possível alcançar a plenitude de sua liberdade. É evidente que tal momento de completa solidão é difícil de ser alcançado, por isso a oportunidade de ficar sozinho por uma semana seria a materialização mais precisa de seu ideal de felicidade. E esta oportunidade surge quando sua escola organiza uma excursão de uma semana para uma estação de eski. Para sua família, o garoto inventa que viajará com seus colegas, mas o seu plano é bem diferente: esconder-se no porão de sua casa e passar todos esses dias vivendo apenas de acordo com sua própria individualidade. Lorenzo prepara tudo, compra seus alimentos preferidos, leva seu aparelho de mp3 com todas as músicas que gosta, separa alguns livros que pretende ler e carrega também seu computador. Tudo que ele precisa para passar o tempo de acordo com seus gostos, caprichos e vontades, sem precisar interagir com qualquer outra subjetividade, com qualquer ameaça à esta felicidade solitária. No princípio, seus planos funcionam como desejado. Ele consegue enganar sua família, se esconde no porão e começa a gastar seu tempo como lhe apraz. Porém, um acontecimento inesperado interrompe esse momento de solidão. A meia-irmã mais velha do garoto, Olivia, aparece na casa e entra no porão para recuperar alguns objetos que lá estavam guardados. Rapidamente descobrimos que a garota tem uma relação bastante conturbada com sua família, tendo brigado com seu pai por conta da mãe de Lorenzo. Por isso, ela foi banida de casa e rompido os vínculos com sua família. O fato de Olivia ter descoberto seu esconderijo se mostra, inicialmente, uma verdadeira catástrofe para Lorenzo. Tudo o que ele deseja é que ela suma o mais rapidamente de lá, deixando-o sozinho novamente. O problema é que Olivia está vivendo solitariamente uma imensa crise de abstinência e precisa de um lugar para ficar. A solidão, para ela, não aparece como uma positividade, tal qual para Lorenzo, mas sim como um fator desestabilizante e angustiante. Ela precisa de alguém que possa lhe ajudar. E na falta de outra pessoa, Olivia só econtra o apoio relutante de um irmão mimado e egoísta. É a partir desse conflito que o filme se transforma numa experiência de aprendizagem para ambos. Ele se encontra confrontado com a presença do outro naquilo que ele tem de mais ameaçador, a exigência de abertura à uma diferença irredutível e intransponível. E o risco desta abertura é que ela pode implicar num movimento de transformação de si próprio. Diante da dor de sua irmã, ele não pode mais se manter numa posição de exterioridade, de autocentramento. Ele é obrigado a apoiá-la da forma como consegue. Olivia também passa por uma experiência de aprendizagem, na medida em que precisa se reconciliar com seu passado e com sua família ausente, reatando os laços com um irmão que não via há muito. Nos dias em que passam dentro do porão, isolados do mundo, os irmãos criam um vínculo de de trocas sinceras e de apoio recíproco, num movimento de compartilhamento de uma forma de estar-no-mundo diferente daquela que ambos estavam acostumados. A existência solitária, ainda que por razões diversas, do ser-um é revertida num encontro à dois. Esse encontro se converte numa forte experiência amorosa, ainda que não completamente erotizada, que revelada a impossibilidade mesma de se afirmar enquanto uma individualidade monística e isolada. A potência da vida aparece na potência do encontro, que transfigura a subjetividade e o modo de existir dos dois. Quando a semana acaba, ambos saem do porão transformados por este encontro. E no caso de Lorenzo, essa transformação parece estar exatamente na descoberta do outro, da alteridade do mundo, por isso pode-se perceber que esta aprendizagem é a da dimensão ética do existir diante desse outro. Esta descoberta traz em si algo de pequeno, mas é propriamente essa pequeneza que traz as cores da vida (i colori della vita), como diz a canção que expressa em definitivo a potência desses encontros.
Fonte: Ensaios Ababelados

março 29, 2013

"Na hora de fazer não gritou", por Andrea Dip

PICICA: "Apesar de em 2011 o governo federal ter lançado a Rede Cegonha, que tem como objetivo humanizar o parto e criar casas de parto normal integradas ao SUS, ainda há poucas opções e somente em grandes centros urbanos – até 2014, segundo o Ministério da Saúde, serão 200 em todo o país. Com pouca ou nenhuma divulgação, sobram leitos em muitas delas. A Casa de Parto de Sapopemba em São Paulo, por exemplo, referência no atendimento a gestantes de baixo risco, não só não é divulgada, como não se consegue entrevistar os profissionais que atendem na Casa. Alertada por colegas jornalistas, eu tentei entrar em contato através da assessoria de imprensa da prefeitura mas não obtive resposta, apesar da insistência. Durante a reportagem, conheci uma enfermeira obstétrica que foi demitida por ter concedido entrevista a um jornal sem autorização. Uma reserva que faz lembrar o que acontece com os programas de redução de danos – cala-se a respeito para evitar polêmica, ou a adesão excessiva em relação às dimensões previstas por essas políticas públicas.
Simone Diniz conta que a própria mulher que resolve esperar o trabalho de parto é hostilizada. “As pesquisas indicam que entrar em trabalho de parto aumenta muito o risco de você sofrer violência. É muito interessante o grau de hostilização da mulher em trabalho de parto. No setor privado, acham o fim da picada que aquela mulher queira dar trabalho para eles. Uma mulher contou que como insistiu muito com o médico que queria parto normal, ele indicou um psicólogo dizendo que ela tinha traços masoquistas!” O Conselho Federal de Medicina é totalmente contra o parto domiciliar. Assim como os conselhos regionais que quiseram caçar o registro de Jorge Kuhn. O Conselho de Enfermagem (COFEN) também tentou por muito tempo fechar o novo curso de obstetrícia da USP Leste, mas desde dezembro de 2012, o curso ganhou, através de liminar do Ministério Público, não só o direito ao funcionamento como ao registro específico no COFEN." 


Na hora de fazer não gritou



Essa frase, ouvida por muitas mulheres na hora do parto, é uma das tantas caras da violência obstétrica que vitima uma em cada quatro mulheres brasileiras. Eu fui uma delas
Eu tive meu filho em um esquema conhecido por profissionais da área da saúde como o limbo do parto: um hospital precário, porém maquiado para parecer mais atrativo para a classe média, que atende a muitos convênios baratos, por isso está sempre lotado, não é gratuito, mas o atendimento lembra o pior do SUS, porém sem os profissionais capacitados dos melhores hospitais públicos nem a infraestrutura dos hospitais caros particulares para emergências reais. Durante o pré-natal, fui atendida por plantonistas sem nome. Também não me lembro do rosto de nenhum deles. O meu nome variava conforme o número escrito no papel de senha da fila de espera: um dia eu era 234, outro 525. Até que, durante um desses “atendimentos” a médica resolveu fazer um descolamento de membrana, através de um exame doloroso de toque, para acelerar meu parto, porque minha barriga “já estava muito grande”. Saí do consultório com muita dor e na mesma noite, em casa, minha bolsa rompeu. Fui para o tal hospital do convênio já em trabalho de parto.

Quando cheguei, me instalaram em uma cadeira de plástico da recepção e informaram meus acompanhantes que eu deveria procurar outro hospital porque aquele estava lotado. Lembro que fazia muito frio e eu estava molhada e gelada, pois minha bolsa continuava a vazar. Fiquei muito doente por causa disso. Minha mãe ameaçou ligar para o advogado, disse que processaria o hospital e que eu não sairia de lá em estágio tão avançado do trabalho de parto. Meu pai quis bater no homem da recepção. Enquanto isso, minhas contrações aumentavam. Antes de ser finalmente internada, passei por um exame de toque coletivo, feito por um médico e seus estudantes, para verificar minha dilatação. “Já dá para ver o cabelo do bebê, quer ver pai?” mostrava o médico para seus alunos e para o pai do meu filho. Consigo me lembrar de poucas situações em que fiquei tão constrangida na vida. Cerca de uma hora depois, me colocaram em uma sala com várias mulheres. Quando uma gritava, a enfermeira dizia: “pare de gritar, você está incomodando as outras mães, não faça escândalo”. Se eu posso considerar que tive alguma sorte neste momento, foi o de terem me esquecido no fim da sala, pois não me colocaram o soro com ocitocina sintética que acelera o parto e aumenta as contrações, intensificando muito a dor. Hoje eu sei que se tivessem feito, provavelmente eu teria implorado por uma cesariana, como a grande maioria das mulheres.

Não tive direito a acompanhante. O pai do meu filho entrava na sala de vez em quando, mas não podia ficar muito para preservar a privacidade das outras mulheres. A moça que gritava pariu no corredor. Até que uma enfermeira lembrou de mim e me mandou fazer força. Quando eu estava quase dando a luz, ela gritou: “pára!” e me levou para o centro cirúrgico. Lá me deram uma combinação de anestesia peridural com raquidiana, sem me perguntar se eu precisava ou gostaria de ser anestesiada, me deitaram, fizeram uma episotomia (corte na vagina) sem meu consentimento – procedimento desnecessário na grande maioria dos casos, segundo pesquisas da medicina moderna – empurraram a minha barriga e puxaram meu bebê em um parto “normal”. Achei que teria meu filho nos braços, queria ver a carinha dele, mas me mostraram de longe e antes que eu pudesse esticar a mão para tocá-lo, levaram-no para longe de mim. Já no quarto, tentei por três vezes levantar para ir até o berçario e três vezes desmaiei por causa da anestesia. “Descanse um pouco mãezinha” diziam as enfermeiras “Sossega!” Eu não queria descansar, só estaria sossegada com meu filho junto de mim! O fotógrafo do hospital (que eu nem sabia que estava no meu parto) veio nos vender a primeira imagem do bebê, já limpo, vestido e penteado. Foi assim que eu vi pela primeira vez o rostinho dele, que só chegou para mamar cerca de 4 horas depois.
Faz exatamente nove anos que tudo isso aconteceu e hoje é ainda mais doloroso relembrar porque descobri que o que vivi não foi uma fatalidade, ou um pesadelo: eu, como uma a cada quatro mulheres brasileiras, fui vítima de violência obstétrica.

Uma em cada quatro mulheres sofre violência no parto

O conceito internacional de violência obstétrica define qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. A pesquisa “Mulheres brasileiras e Gênero nos espaços público e privado”, divulgada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto. As mais comuns, segundo o estudo, são gritos, procedimentos dolorosos sem consentimento ou informação, falta de analgesia e até negligência.



Mas há outros tipos, diretos ou sutis, como explica a obstetriz e ativista pelo parto humanizado Ana Cristina Duarte: “impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência, tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, submeter a mulher a mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, dar hormônios para tornar o parto mais rápido, fazer episiotomia sem consentimento”.



“A lista é imensa e muitas nem sabem que podem chamar isso de violência. Se você perguntar se as mulheres já passaram por ao menos uma destas situações, provavelmente chegará a 100% dos partos no Brasil” diz Ana Cristina, que faz parte de um grupo cada vez maior de mulheres que, principalmente através de blogs e redes sociais, têm lutado para denunciar a violência obstétrica tão rotineira e banalizada nos aparelhos de saúde.

“Algumas mulheres até entendem como violência, mas a palavra é mais associada a violência urbana, fisica, sexual” diz a psicóloga Janaína Marques de Aguiar, autora da tese “Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero” que entrevistou puérperas (com até três meses de parto) e profissionais de maternidades públicas de São Paulo. “Quando a gente fala em violência na saúde, isso fica dificil de ser visualizado. Porque há um senso comum de que as mulheres podem ser maltratadas, principalmente em maternidades públicas” acredita. E dá alguns exemplos: “Duas profissionais relataram, uma médica e uma enfermeira, que um colega na hora de fazer um exame de toque em uma paciente, fazia brincadeiras como ‘duvido que você reclame do seu marido’ e ‘Não está gostoso?”



Em março de 2012, um grupo de blogueiras colocou no ar um teste de violência obstétrica, que foi respondido de forma voluntária por duas mil mulheres e confirmou os resultados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Apesar de não terem valor científico, os resultados mostraram que 51% das mulheres estava insatisfeita com seu parto e apenas 45% delas disse ter sido esclarecida sobre os todos os procedimentos obstétricos praticados em seus corpos” lembra a jornalista mestre em ciências Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa. “Nós quisemos mostrar para outras mulheres que aquilo que elas tinham como desconforto do parto era, na verdade, a violação de seus direitos. Hoje nós somos protagonistas das nossas vidas e quando chega no momento do parto, perdemos a condição de sujeito” opina Ana Carolina.

Desse teste nasceu o documentário “Violência Obstétrica – A voz das brasileiras” (que você pode assistir no fim da matéria) com depoimentos gravados pelas próprias mulheres sobre os mais variados tipos de humilhação e procedimentos invasivos vividos por elas no momento do parto. Uma das participantes diz que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da barriga durante a cesárea”.

Mas talvez o relato mais triste seja o da mineira Ana Paula, que após planejar um parto natural, foi ao hospital com uma complicação e, sem qualquer explicação por parte dos profissionais, foi anestesiada, amarrada na cama, mesmo sob protestos, submetida a episiotomia, separada da filha, largada por várias horas em uma sala sem o marido e sem informações. Seu bebê não resistiu e faleceu por causas obscuras. Ana Paula denunciou o falecimento de sua filha ao Ministério da Saúde pedindo uma investigação e em paralelo denunciou a equipe, convênio médico e o hospital que a atenderam ao CRM de Belo Horizonte. Diante do silêncio do Conselho, que abriu uma sindicância em novembro de 2012 e não forneceu mais informações, a advogada de Ana Paula, Gabriella Sallit, entrou com uma ação na justiça.

“O processo da Ana Paula foi o primeiro que trata a violência obstetrica nestes termos. Não é um processo contra erro médico, ou pelo fim de uma conduta médica. É sobre o procedimento, a violência no tratar. É um marco porque é o primeiro no Brasil” explica a advogada. “É uma ação de indenização por dano moral que lida com atos notoriamente reconhecidos como violência obstétrica. Tudo isso tem respaldo na nossa legislação”, diz.

Para prevenir a violência no parto, infelizmente comum, a advogada aconselha que as mulheres escrevam uma carta de intenções com os procedimentos que aceitam e não aceitam durante a internação. “Faça a equipe assinar assim que chegar ao hospital. E antes de sair do hospital, requisite seu prontuário e o do bebê. É um direito que muitas mulheres desconhecem. Isso é mais importante do que a mala da maternidade, fraldas e roupas. Estamos falando de algo que pode te marcar para o resto da vida”.


Direitos legais desrespeitados nas maternidades

Além do nosso código penal e dos vários tratados internacionais que regulam de forma geral os direitos humanos e direitos das mulheres em especial, a portaria 569 de 2000 do Ministério da Saúde, que institui o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS,  diz: “toda gestante tem direito a acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura” e a LEI Nº 11.108, DE 7 DE ABRIL DE 2005 garante às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato nos hospitais do SUS. Mas dificilmente essas normas são seguidas, como explica a pesquisadora Simone Diniz (leia entrevista na íntegra), formada em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, que participou da pesquisa “Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento”, grande e minucioso panorama realizado pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde  – ainda sem data para lançamento.

“O parto é muito medicalizado e muito marcado pela hierarquia social da mulher no Brasil. Para algumas questões de saúde, como para quem tem HIV, precisa de um antiretroviral ou de uma cirurgia, você tem o mesmo procedimento público e privado, existe um padrão do que é considerado como aceitável. Para o parto não. A assistência ao parto para as mulheres de menor renda e escolaridade e para aquelas que o IBGE chama de pardas e negras, é muito diferente das mulheres escolarizadas, que estão no setor privado, pagantes. Normalmente as mulheres de renda mais baixa têm uma assistência que não dá nenhum direito a escolha sobre procedimentos. Os serviços atendem essas mulheres para um parto vaginal com várias intervenções que não correspondem ao padrão ouro da assistência, como ficar sem acompanhante e serem submetidas a procedimentos invasivos que não deveriam ser usados a não ser com extrema cautela, como o descolamento das membranas, que é muito agressivo, doloroso, aumenta o risco de lesão de colo e infecções, a  ruptura da bolsa, como aceleração do parto. É uma ideia de produtividade que parte do pressuposto que o parto é um evento desagrádavel, degradante, humilhante, repulsivo, sujo e que portanto aquilo deve ser encurtado. No setor público é pior, mas é preciso levar em conta que no setor privado, 70% das mulheres nem entra em trabalho de parto, vão direto para cesarianas eletivas”.

Cesariana desnecessária: mais uma violência contra a mulher 

A imposição de uma cesariana desnecessária também tem sido vista pelos pesquisadores e pelas próprias mulheres como uma forma de violência porque além de um procedimento invasivo, oferece mais riscos a curto e longo prazo para a mãe e o bebê. “Hoje nós sabemos que existe muito mais segurança nos partos fisiológicos do que nas cesáreas. Não tenha dúvidas de que elas são um recurso importante que salva vidas quando realmente necessárias. Mas no parto fisiológico o bebê tem menor chance de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecções, tem o melhor prognóstico de todos” explica Simone Diniz. “O bebê nasce estéril e a medida que ele entra em contato com as bactérias da vagina durante o parto, é colonizado por elas e isso fará com que ele desenvolva um sistema imune muito mais saudável do que se nascer de cesárea e for contaminado por bactérias hospitalares. Esse é conhecimento recente, mas já saíram pesquisas sobre risco diferenciado de asma, diabete, obesidade e uma série de doenças crônicas”.



Apesar do índice máximo de cesarianas aconselhado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ser o de 15%, o Brasil lidera o ranking na América Latina, segundo a Unicef, com mais de 50% de nascimentos através da cirurgia. O índice sobe consideravelmente quando se olha apenas para os hospitais particulares. Em 2010, 81,83% das crianças que nasceram via convênios médicos, vieram ao mundo por cesarianas. Em 2011, o número aumentou para 83,8%, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Há ainda hospitais particulares como o Santa Joana, em São Paulo, que no primeiro trimestre de 2009 apresentou taxa de 93,18% cesarianas, segundo o  Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC). Questionada a respeito, a ANS declarou por meio de assessoria de imprensa que “vem trabalhando, desde 2005, para a diminuição do número de partos cesáreos, mas o problema é bastante complexo e multifatorial, envolvendo a organização do trabalho do médico, dos hospitais e a própria cultura e informação da população brasileira”. Disse ainda que “não existe limite para a realização de partos cesáreos” e que isso depende da indicação médica.



No filme “O Renascimento do Parto”, ainda sem data de estreia no Brasil, mas que já possui uma versão resumida no Youtube, o pediatra Ricardo Chaves questiona: “Eu quero saber o seguinte: nós combinamos com o bebê que ele vai nascer sexta-feira, quatro da tarde? Ele respondeu que tem condição de nascer?”


Nos consultórios, a prática é assustar a mulher  

Os profissionais têm opiniões diferentes a respeito do grande volume de cesarianas. Para a médica obstetra representante do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) Silvana Morandini, “a medicina defensiva está indicando mais a cesárea. Se o bebê tem circular de cordão no pescoço, se é um feto muito grande, se tem placenta marginal, qualquer diagnóstico que possa dar problema, aumenta a prescrição”. Ela chama isso de “conduta defensiva”, por “medo de dar errado”. Silvana também acredita que “o grande número de cesáreas é cultural. A mulher brasileira tem a ideia de que com o parto vaginal vai ficar com o períneo mais flácido”.

Já o obstetra especialista em parto humanizado Jorge Kuhn acredita que “a grande culpada pelo boom de cesarianas foi a mudança do modelo obstétrico. Antigamente o modelo era centrado na obstetriz. O médico era chamado nos casos de complicação. A transformação do parto domiciliar em hospitalar, na década de 1970, aumentou a incidência de cesarianas. É lógico que esse índice também cresceu por outras razões,  como gravidez múltipla, idade avançada e riscos reais ”. Ele explica que outro fator importante foi a entrada dos convênios médicos nos planos de parto. “Eles perceberam que para vender planos de saúde, um bom argumento era o de que a mulher faria o pré-natal com o mesmo médico que faria o parto e isso é a maior cilada. Porque o médico prefere ficar no consultório a sair para ganhar tão pouco. Dizem que a mulher escolhe a cesariana, mas o parto normal é desconstruído no consultório consulta a consulta. Frases como ‘nossa, mas esse bebê está crescendo muito’ dão a conotação subliminar de que a mulher não poderá ter parto normal. Circular de cordão, bacia estreita, feto grande, feto pequeno, pouco líquido, muito líquido, pressão arterial alta, diabetes, nada disso é indicação de cesariana. Foi se criando o conceito de que o corpo da mulher é defeituoso e requer assistência. Que ela precisa ser cortada em cima ou embaixo para poder parir”.

Um médico obstetra com 15 anos de formação, que atende a convênios e preferiu ter sua identidade preservada, confirma a fala de Jorge Kuhn.

Ele explica que com o valor irrisório pago pelos convênios (cerca de 300 reais por parto normal ou cesárea) não compensa para o profissional largar o consultório cheio ou sair de casa de madrugada para passar 10, 12 horas acompanhando um parto normal. “Eu digo para as minhas pacientes logo nas primeiras consultas que se elas optarem por marcar uma cesariana eu farei, mas se optarem por um parto normal vão ter com plantonista”. Para ele, apesar das pesquisas e das indicações internacionais como a da OMS, a cesariana é a melhor opção para a mãe e o bebê. “No hospital particular eu acho que acontece o real parto humanizado. Porque tem uma assistência muito maior. Com 5 para 6 cm de dilatação a gente instala a anestesia, aí a paciente já não sente dor, faz a tricotomia (raspagem dos pêlos) porque é mais higiênico, rompe a bolsa, acelera o trabalho de parto. Minha filha nasceu por cesárea, minhas sobrinhas também. Se eu achasse tão bom o parto normal teria feito. Claro que se o médico marcar a cirurgia para muito antes, o bebê pode nascer prematuro, com problemas respiratórios, pode complicar sua saúde a longo prazo. Mas no parto normal existe mais risco de asfixia e paralisia cerebral. Se você for perguntar, 90% dos filhos de médicos nascem por cesárea”.
Jorge Kuhn, que foi recentemente denunciado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro e responde a processo no CREMESP por ter declarado em um programa de televisão ser favorável ao parto domiciliar para gestantes de baixo risco, lembra que para o hospital também é muito mais lucrativo e conveniente que se façam cesarianas. “Eles sabem quais são os recursos humanos e materiais que têm em vésperas de feriados, principalmente os mais prolongados, e têm os agendamentos da sala certinhos. Fazer uma cesariana em trabalho de parto resulta em maior custo para o hospital. Quando a mulher ficou tantas horas em trabalho de parto e passa para uma cesárea, isso é um problema. Uma vez eu perguntei para um gestor quanto eu custava, fazendo mais partos normais. Ele disse que o problema é quando meus partos normais viravam cesáreas, porque já tinha gasto tempo e material naquele parto e gastava com a cirurgia. Mas tanto faz em termos de custo. O agendamento que facilita. Nenhum hospital no Brasil tem condições de atender partos normais como a OMS aceita, com no máximo 15% de cesarianas. Não têm estrutura física para isso, é uma fórmula difícil de fechar. Mas basicamente é uma tríade: comodidade dos médicos e hospitais, indiferença das mulheres e mercado. Sempre é uma questão de dinheiro”.

Ana Cristina acrescenta que quanto mais complicado for o parto, mais lucro o hospital terá. “Anestesia, cirurgia, drogas, antibióticos, compressas, equipamento, equipe de enfermagem. Se rolar uma UTI neonatal por dois dias, já vai mais uma boa grana, quase a de um parto. E esses equipamentos todos da UTI estão pagos, precisam ser usados para gerar lucro. A UTI custa muito caro. Então qual é o problema? É que nós estamos colocando bebês para nascer em uma estrutura muito cara, que precisa se pagar”.

Para incrementar, alguns hospitais particulares oferecem alguns “extras” a seus pacientes, conta Simone Diniz. “Existe uma coisa chamada ‘janela de plasma’, que fica no centro cirúrgico e dá para um pequeno auditório anexo. É uma janela opaca que fica transparente quando o bebê nasce e o médico pode apresentá-lo à plateia. Algumas famílias fazem festas, com serviço de catering etc. Isso não pode acontecer em um parto normal, certo? Precisa ser agendado com antecedência. Aí você vê como hoje o parto fisiológico é subversivo, porque subverte toda essa lógica hospitalocêntrica”.

Alternativa subversiva

O modelo alternativo, hoje conhecido como parto humanizado, se baseia em exemplos usados há muitos anos em países como Holanda e Alemanha, e é centrado na autonomia da mulher, pensando o parto como algo fisiológico, natural, com pouca ou nenhuma intervenção médica. O direito da mulher sobre o seu próprio parto também é uma das principais bandeiras de um movimento feminino que cresce a cada dia no Brasil, principalmente através de blogs e articulações por redes sociais.
No filme inglês Freedom For Birth, que conta a história da parteira húngara Ágnes Geréb, processada criminalmente e condenada a dois anos de prisão porque, até 2011, não havia regulamentação para os profissionais que assistiam partos domiciliares, a antropóloga americana Robbie Davis-Floyd critica o modelo atual, em que o corpo da mulher é tratado como uma máquina, e o parto como um processo mecânico disfuncional, que precisa das intervenções médicas para trazer o bebê ao mundo porque não confia na fisiologia natural do parto. Em seu estudo “Birth as an American rite of passage (1984)” ela lembra que o parto, até pouco tempo, era vivido como algo exclusivamente feminino e privado, com as mulheres dando a luz em suas casas amparadas por outras mulheres: parteiras, mães, amigas mais experientes. A ideia de “mulher empoderada”, que escolhe onde, como e com quem quer parir, ou no mínimo opina a quais procedimentos quer ou não se submeter é o centro deste pensamento.

O parto humanizado pode acontecer em casas de parto, em casa (somente para gestantes de baixo risco, que são a maioria) e até em salas especiais que muitos hospitais estão criando com esta finalidade. A equipe geralmente é reduzida, com uma enfermeira obstetra (ou médico que siga esta filosofia), um neonatologista e uma doula – profissional treinada a dar suporte físico e emocional à mulher desde o pré-natal. Na hora do parto, a doula orienta sobre exercícios e posições, respiração e fornece um arsenal de recursos não farmacológicos para alívio da dor, como massagens, bolas, óleos, exercícios e banhos. A mulher pode comer, tomar água, andar e ficar na posição que se sentir mais a vontade para parir. Cada vez mais mulheres têm optado por este modelo, mas nem todas têm acesso. Um parto domiciliar custa de 5 a 10 mil reais (somando os honorários de todos os profissionais). No hospital, além da equipe, é preciso pagar a internação em pacotes de parto, que podem custar em média mais 8 mil reais.

Apesar de em 2011 o governo federal ter lançado a Rede Cegonha, que tem como objetivo humanizar o parto e criar casas de parto normal integradas ao SUS, ainda há poucas opções e somente em grandes centros urbanos – até 2014, segundo o Ministério da Saúde, serão 200 em todo o país. Com pouca ou nenhuma divulgação, sobram leitos em muitas delas. A Casa de Parto de Sapopemba em São Paulo, por exemplo, referência no atendimento a gestantes de baixo risco, não só não é divulgada, como não se consegue entrevistar os profissionais que atendem na Casa. Alertada por colegas jornalistas, eu tentei entrar em contato através da assessoria de imprensa da prefeitura mas não obtive resposta, apesar da insistência. Durante a reportagem, conheci uma enfermeira obstétrica que foi demitida por ter concedido entrevista a um jornal sem autorização. Uma reserva que faz lembrar o que acontece com os programas de redução de danos – cala-se a respeito para evitar polêmica, ou a adesão excessiva em relação às dimensões previstas por essas políticas públicas.

Simone Diniz conta que a própria mulher que resolve esperar o trabalho de parto é hostilizada. “As pesquisas indicam que entrar em trabalho de parto aumenta muito o risco de você sofrer violência. É muito interessante o grau de hostilização da mulher em trabalho de parto. No setor privado, acham o fim da picada que aquela mulher queira dar trabalho para eles. Uma mulher contou que como insistiu muito com o médico que queria parto normal, ele indicou um psicólogo dizendo que ela tinha traços masoquistas!” O Conselho Federal de Medicina é totalmente contra o parto domiciliar. Assim como os conselhos regionais que quiseram caçar o registro de Jorge Kuhn. O Conselho de Enfermagem (COFEN) também tentou por muito tempo fechar o novo curso de obstetrícia da USP Leste, mas desde dezembro de 2012, o curso ganhou, através de liminar do Ministério Público, não só o direito ao funcionamento como ao registro específico no COFEN.

Por mim você pode cortar a mulher em quatro…

Essa “caça às bruxas do parto humanizado” não é exclusividade brasileira – vide Àgner Gereb. Jorge Kuhn conta que quando chegou ao Brasil após uma temporada aprendendo sobre parto humanizado na Alemanha, foi procurar os gestores de grandes hospitais para implantar essas técnicas de redução de cesarianas, mas que foi recebido com declarações como “por mim você pode cortar a mulher em quatro desde que me entregue um bebê bom”. Ainda assim, o obstetra é otimista: “O filósofo Schopenhauer dizia que toda verdade passa por três estágios: No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria. Estamos no segundo estágio”.

Outra alternativa bonita para quem procura por um parto “empoderado” (no sentido de dar poder à mulher sobre o parto) é a Casa Ângela, em São Paulo. Criada pela Associação Comunitária Monte Azul, a Casa de Parto, instalada na periferia da zona sul da cidade, se mantém com financiamentos de parceiros nacionais e internacionais e, desde o começo de 2012, faz uma média de 10 partos por mês, e acompanha mais de 250 mães e bebês. O nome homenageia a parteira alemã Ângela Gehrke, que nas décadas de 1980 e 1990, atendeu a mais de 1500 mulheres da favela Monte Azul e foi referência de parto humanizado no Brasil. Ângela morreu de um câncer em 2001 mas o trabalho com a comunidade foi retomado alguns anos depois.

A casa é linda, iluminada, arejada e no dia que visitei, um cheiro de bolo assando perfumava o ambiente. Nada ali lembrava o ambiente hospitalar. Anke Riedel, obstetra coordenadora do projeto, me conta que por causa da grande procura de mulheres de outras regiões e até outras cidades, a casa criou um plano de sobrevivência, no qual cobra um pequeno valor para quem não é da comunidade. O pacote padrão, que inclui o pré-natal, a triagem para fatores de risco no parto (as regras são rígidas e somente as gestantes que não apresentam riscos podem ser atendidas na casa), o parto e o acompanhamento do puerpério e do bebê por um pediatra, custa 3.500 reais, que pode ser negociado conforme as condições financeiras do casal. “Como não recebemos qualquer ajuda do governo, essa foi a forma que encontramos de manter a casa e poder atender às gestantes, além do apoio dos parceiros”. Na equipe, obstetrizes atendem às gestantes e, em casos de urgência, a casa possui equipamento e ambulância próprios para remoções para hospitais próximos. Segundo Anke, algumas vezes estas remoções acontecem, mas nunca houve uma de urgência.

Em vez de maca e soro, uma leoa com o bebê nos braços

Fui convidada a conhecer Aline, de 26 anos e seu marido Marcos, da mesma idade, moradores da comunidade que tiveram seu bebê na casa na noite anterior. Quando entrei no quarto, a primeira surpresa. Nada de maca ou soro. Apenas um casal deitado em uma cama com o bebê nos braços, com luz baixa e largos sorrisos no rosto. Aline me mostrou a pequena Sofia, que veio ao mundo sem qualquer intervenção médica ou farmacológica. Ela conta que o bebê nasceu na banheira, à luz de velas e música ambiente, com o marido fazendo massagem e ajudando nas posições. Que se apaixonou pela Casa assim que conheceu a proposta e que durante o pré-natal, ela foi bem orientada e tratada pelo nome, ao contrário do atendimento no posto de saúde em que era uma “mãezinha”.
Um nó aperta minha garganta, é impossível não fazer comparações. Marcos diz que estava orgulhoso da mulher, que mais parecia uma leoa poderosa no parto. Compara ao que já tinha visto na televisão ou nas novelas: “Aquelas mulheres gritando, deitadas, aquele desespero. Nada disso aconteceu. Teve hora que a enfermeira abraçava, dava beijo na testa dela, esse afeto fez diferença. No hospital você fica vendo seu parto acontecer.” Flashes do meu parto não param de vir à mente. Sou feliz por Aline e Marcos. E muito revoltada por mim mesma. Vendo e ouvindo essas histórias de amor, assistindo a vídeos de partos humanizados, dignos, nos quais as mulheres foram protagonistas do nascimento dos seus filhos, só posso chegar a uma conclusão: violaram meu momento. Roubaram meu parto de mim.

* Infográficos de Emídio Pedro
Mapa da Violência obstétrica: denúncias pela internet
Depois de um parto traumático e extremamente violento e um segundo humanizado, empoderado e em casa, Isabella Rusconi e Carlos Pedro Sant’Ana criaram o Mapa da Violência Obstétrica. A ferramenta é inédita no Brasil e permite ao internauta denunciar onde e quais tipos de violência obstétrica sofreu. “Acredito que um dos melhores modos de ter uma leitura real de um problema é mapeando situações, dando uma leitura gráfica do problema para facilitar a sua compreensão” explica Carlos. “Embora seja um problema invisível para muita gente —principalmente para os homens— e silenciado por muitas mulheres —por vergonha ou por desconhecimento de que foi vítima— é necessário mostrar que é uma realidade agressiva no Brasil e mostrar que existem alternativas, que é necessário criar um novo sentido de respeito humano e mudar o modo como lidamos com o parto. Talvez mostrando relatos de vítimas da violência obstétrica, possamos chegar a outras mulheres que passaram por essa violência sem o saber ou sem o reconhecer, e as arrancar de sua Síndrome de Estocolmo”…


https://violenciaobstetrica.crowdmap.com/





Quanto custa nascer no Brasil? *


SUS – grátis, independente do tipo de parto


Hospitais particulares com médicos particulares – de 10 a 30 mil reais o pacote de parto que inclui equipe médica e internação.
Independente do tipo de parto (cesárea, normal ou humanizado). Se houver complicações no parto, mãe ou bebê precisarem de UTI o valor pode triplicar.


Hospitais particulares, via convênio médico – cesáreas marcadas muitas vezes são cobradas à parte, no valor médio de 3 mil reais. Cesáreas em trabalho de parto e partos normais geralmente são atendidos por plantonistas e não são cobrados à parte.


Parto domiciliar (com o mínimo de intervenções para gestantes de baixo risco) com enfermeira obstétrica e doula – de 3 mil a 5 mil reais em média ; Com médico e doula – 10 a 15 mil reais


Parto em casa de parto humanizado ONG – cerca de 3 mil reais incluindo pré-natal, parto com enfermeira obstetra e atendimento pós parto com pediatra durante o puerpério.

Quanto ganham os médicos


Particulares (independente do tipo de parto) – de 8 mil a 20 mil reais por procedimento.
SUS (por plantão, período de 12 horas) – R$ 700 (valor médio)


Saúde suplementar –R$ 300 por parto normal e R$ 240 por cesariana (valores médios)

*Fontes: ANS, MS e profissionais de saúde

Fonte: Agência Pública