dezembro 14, 2013

"As remoções, a Opinião e a Polícia", por Ricardo Gomes e Bruno Stehling

PICICA: "[...] várias comunidades seguem lutando contra esta forma de violência que é o controle das narrativas, inclusive narrativas científicas, uma luta pela possibilidade de decidir a cidade que queremos. Este é o grande desejo, construir, produzir a cidade que queremos, os direitos que desejamos e precisamos, e se para isso teremos que enfrentar a verdade policialesca dos poderes instituídos e organizações econômicas faremos, ou melhor, já está sendo feito."

As remoções, a Opinião e a Polícia

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Por Ricardo Gomes e Bruno Stehling

O secretário de segurança do estado do Rio, José Mariano Beltrame, deu uma entrevista às organizações globo dizendo que era precisa enfrentar o tabu das remoções. “Hoje, remoção é tabu, é palavra proibida, porque colocaram ideologia no debate. Hoje há conhecimento, tecnologia e solução urbanística para dar esta guinada definitiva”. De repente, temos a seguinte situação plantada: em nenhum momento houve um enfrentamento da questão remoção, e o sec responsável pela implementação das UPPs (um projeto de segurança associado à lógica expropriadora da economia dos grandes eventos) pode discursar livremente para resolver a questão. Tudo o que foi feito antes seria pura ‘ideologia’ – alega justamente uma máquina ideológica de manutenção da ordem social excludente. Acreditamos que não faça falta ressaltar a ironia dessa situação. Numa mesma tacada de retórica, o secretário de segurança e as organizações globo destituem lutas, discursos e conhecimentos que foram gerados justamente a partir da resistência das comunidade que sofreram com remoção. Destitui, inclusive, planos e projetos construídos em parcerias com universidades, projetos que receberam prêmios internacionais. Mas, não, tudo seria pura ideologia. A sociedade de controle se caracteriza por esta tentativa constante de formatar uma opinião única em detrimento da construção coletiva e conflituosa de um novo conhecimento, arrancado das lutas. O Estado age para que esta opinião seja executada em detrimento de qualquer outro desejo. A democracia se transformou em um campo aberto para as imposições dos grupos de poder que controlam as instituições, que implementam ações e opiniões. A sempre cambaleante legitimidade democrática é perseguida a cacetadas por polícias e mídia. Mas, o mais importante é que este campo flexível possibilita que as lutas sejam travadas por articulação direta, sem os grupos tradicionais de mediação. Assim, a comunidade da Vila Autódromo, por exemplo, consegue mobilizar uma quantidade relevante de intelectuais, técnicos e militantes para criar projetos contra os processos de remoção, para colocar esses processos em suspensão, fazendo sua articulação com os processos de luta pela cidade que estão em curso no Rio de Janeiro.

Nessa situação, o conhecimento serve para dar alicerce ao discurso do poder. Vemos isso também nas manifestações, quando colunistas tanto da esquerda quanto da direita criminalizavam os manifestantes. Hoje, num blog de esquerda, o blogueiro progressista falava de ‘movimentos das placas tectônicas’ sobre a resposta da militância do PT diante da prisão do acusados no julgamento da ação penal 470. Ele disse que havia um pouco do calor das milhões de pessoas que saíram às ruas, nos meses de junho a julho, gritando um refrão desconcertante:

“A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!”

É absolutamente ultrajante que se fale em movimentação de placas tectônicas num caso como esse, quando em junho os manifestantes eram criminalizados por boa parte dessa mesma referida militância. Ainda tem a coragem de dizer que se trataria do calor das ruas. Curioso como os mais diversos objetos são articulados por mídias de diferentes alcances em função da manutenção das relações de poder. Em certos momentos, usando o conhecimento para isso, em outros, utilizando da calmaria temporária das ruas para elogios convenientes e manipuladores.

No caso do secretário com as organizações globo, vemos o uso de uma suposta objetividade do conhecimento servindo objetivos de dominação. E sobre isso, é importante ressaltar que todos os processos de remoção que aconteceram até hoje foram perpassados por uma série de irregularidades técnicas e pelo envolvimento de evidentes interesses econômicos na decisão dos lugares e formas da remoção. Portanto, o que há na fala do secretário é construção de rede fechada, ou melhor, justamente a formação de uma opinião.

Vivemos no tempo em que as opiniões são formadas segundo interesses majoritários. Trata-se de liberdade individual e controlada no fluxo da liberdade capitalista, ou seja, modulação de lugares a serem preenchidos, ressoar de determinados saberes selecionados para fazer funcionar estes lugares de submissão voluntária. Ao mesmo tempo, impondo aos corpos pobres a mais violenta e arbitrária remoção, a mais violenta repressão policial. Não nos enganemos, não é à toa que essa fala seja do sec de segurança e não do secretário de habitação. O controle dos corpos em revolta é tão importante quanto a imposição das opiniões-verdades do aparato de poder. Obviamente se trata também de politicagem. Ano que vem tem eleição, mas sobre isso preferimos não nos alongar, já que é um assunto que não nos representa.

Enfim, várias comunidades seguem lutando contra esta forma de violência que é o controle das narrativas, inclusive narrativas científicas, uma luta pela possibilidade de decidir a cidade que queremos. Este é o grande desejo, construir, produzir a cidade que queremos, os direitos que desejamos e precisamos, e se para isso teremos que enfrentar a verdade policialesca dos poderes instituídos e organizações econômicas faremos, ou melhor, já está sendo feito.

Fonte: Das Lutas

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