junho 07, 2014

"Mino Carta e sua “generosidade” histórica", por Bruno Cava Rodrigues

PICICA: Representante da ex-querda, Mino Carta, vai ao encontro de Reinaldo Azevedo e Olavo de Carvalho. PQP!

Mino Carta e sua “generosidade” histórica
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Montagem da peça “A morte acidental de um anarquista”, por Dario Fo



Depois de ter trabalhado muito pela extradição de Cesare Battisti, que ora chamava de terrorista político, ora de delinquente comum; agora Mino Carta aproveita a visita de Toni Negri no Brasil para chamá-lo de “fanático do apocalipse”, “pretenso pensador” e, repetindo a acusação clássica, dizer que “apoiou o terrorismo italiano dos anos 70 e 80, que levou à morte do Aldo Moro”, graças à “infiltração da CIA a favor dos EUA”. Em pose debochada, o editor da Carta Capital reproduz o argumento de quem acusou e condenou Negri, sem nenhuma prova, por “mentor intelectual” e “associação subversiva” a grupos de luta armada.

Qualquer livro de história, mesmo conservador, vai mostrar no entanto que os atentados terroristas na Itália, começados na bomba da Piazza Fontana, em 1969, com 17 mortos, foram realizados sucessivamente por grupos neofascistas da direita, como o Ordine Nuovo, sob articulação de uma operação de repressão intercontinental chamada Gládio, à semelhança da latino-americana Condor. O premiê italiano, em 1990, reconheceu o envolvimento do estado daquele país no fomento dos grupos secretos anticomunistas. A “strategia della tensione”, nos anos 70 e 80, que é outra história consolidada inclusive nos livros conservadores, baseava-se no aparelhamento de paramilitares radicais de direita para gerar o caos e provocar reações violentas também da extrema-esquerda. Na Itália, como se sabe, isso acabou levando parte do movimento, como as Brigadas Vermelhas, a adotar a luta armada como forma de luta, e realmente aconteceram assaltos, sequestros e assassinatos (os “justiçamentos”). O fato é que não pode ser comparada a realização dos atentados a bomba pelos fascistas aparelhados pela Gládio, culminando na bomba na estação de Bolonha em 1980, com 85 mortos, à resposta violenta de alguns movimentos na Itália da época.

Essa é a mesma tese que Reinaldo Azevedo ou Olavo de Carvalho usam para amenizar a tortura sistemática e os massacres da ditadura brasileira, equiparando o terror de estado aos relativamente poucos “justiçamentos” (assassinatos) cometidos pela luta armada da extrema-esquerda no Brasil. O achatamento das violências como equivalentes, aliás, sempre foi uma manobra da direita para justificar suas “ditabrandas”. Neste caso, a situação é mais bizarra por dois motivos. Primeiro, porque Negri era ligado ao grupo Autonomia Operária, baseado em Bolonha, que nada teve a ver com as ações das Brigadas, por exemplo, no caso Moro. Segundo, porque diferentemente de Azevedo ou Olavo, Mino Carta é editor de um jornal de esquerda, a Carta Capital.

Ele ainda elogia o “Compromisso Histórico”, a aliança política entre o Partido Comunista Italiano e a Democracia Cristã, a partir de meados da década de 70, dando a entender que se tratava de uma virtuosa coalizão nacional a serviço do desenvolvimento da Itália. Ou seja, um estado democrático de direito social e econômico, diante do que bárbaros esquerdistas, como Negri, tentavam gratuitamente tensionar em nome de fanatismos simétricos ao fascismo. Só uma mente muito colonizada poderia crer nesse elogio da Itália, o “berço do Renascimento”, numa época nada distante em que era comandada por políticos misturados com mafiosos, lojas maçônicas, bancos do Vaticano e generais golpistas, que tinham na guerra anticomunista coordenada pela OTAN e na vizinha ditadura grega duas bússolas para o ultraviolento esmagamento da oposição extrapartidária. Para uma visão menos ufanista, o leitor pode conhecer a brilhante peça teatral “Morte acidental de um anarquista”, de Dario Fo, nobel da literatura de 1997 (ver também este artigo, no Le Monde Diplomatique).

Não bastassem suas estranhas teses historiográficas e a acusação pessoal contra um intelectual militante que, dos seus 80 anos, passou 10 em prisões italianas, Mino Carta também ataca a crítica de Negri, num jornal paulista anteontem, à “política de grandes eventos contra a cultura da favela”. O editor diz que a favela nos “desmerece” e que “não precisamos de favelados”. De novo, é a velha política civilizatória de erradicação da pobreza que não foca nas condições de miséria e privação, mas nos próprios pobres — o problema estaria na existência da favela em si, suas culturas, suas formas potentes de viver, se relacionar e habitar a cidade.

Depois de tudo isso, no final do vídeo, Mino ainda se gaba: “eu sou de uma generosidade incrível”.

Fonte: Quadrado dos Loucos

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