junho 13, 2014

"Por que o PT não é mais relevante?, por Moysés Pinto Neto

PICICA: "[...] como pretendo mostrar nas próximas postagens, há uma incompreensão generalizada dos defensores do marcador PT em torno do que está acontecendo no Brasil não desde os protestos de 2013, mas sim desde as eleições de 2010. Eles não compreenderam nada do fenômeno Marina e sua base social. Não que Marina hoje represente esse projeto, na aliança duvidosa (sendo condescendente) com Eduardo Campos. Talvez Marina nunca tenha representado esse projeto, mas o fato é que ela ocupou o papel durante as eleições passadas e mostrou que o marcador PT está errado. Para petistas, a juventude que votou em Marina é de filhos da burguesia que aderem à “moda” ecológica, com bandeiras “pós-materialistas” e simpáticos ao combate à corrupção. São um “centro” político. Tentarei mostrar que esse diagnóstico é falso e repete os mesmos vícios que a esquerda tradicional carregava em relação aos movimentos de 1968. Os mesmos preconceitos, a mesma doutrinação, a mesma cegueira em relação a potencialidades e transformações fora do eixo marxista ortodoxo. A incompreensão em torno da catástrofe ecológica em curso e a simplificação do binômio “barbárie/civilização” (o caso dos índios é emblemático nesse sentido), posto em questão justamente pelos pensadores que levaram 1968 a sério e são solenemente ignorados provoca a incompreensão de que os movimentos brasileiros, em sintonia com o resto do mundo, carregam uma energia de “grande recusa” que já não cabe mais nos escaninhos da burocracia petista. O fato de Egito, Turquia, Espanha, EUA, Grécia e outros tantos países viverem situação semelhante não diz nada para esses analistas, na medida em que o problema é como o PT vai continuar no poder. Esperança messiânica é pouco. Trata-se de uma sacralização de uma organização específica que distorce os conflitos políticos para mantê-la fora do alcance da crítica. Um fenômeno que explode essa polaridade é deslocado para seu interior, sendo completamente mutilado enquanto força contestatória.

Não por acaso essa juventude não se sente identificada com esses analistas (que parecem um pouco aqueles “tiozões” afirmando “no meu tempo é que se fazia política”). Ela viu o PT no poder desde a infância e percebe o que hoje ele representa em termos de força de transformação social. Não projeta sobre a realidade um quadro de 20 atrás, quando o PT cumulava forças dissonantes da sociedade e pretendia não se tornar uma aglomeração burocrática. Isso não significa que o PT é irrelevante e nem que devemos fomentar o anti-petismo, mas apenas e simplesmente uma resposta ao problema do post: o PT não é mais o eixo de demarcação da política brasileira." 

Por que o PT não é mais relevante?

Pode parecer paradoxal que o título desse post ponha em suspeição algo que percorre boa parte das colunas políticas de jornais e revistas, noticiários de televisão e pesquisas que apontam a competitividade e até favoritismo de boa parte das candidaturas políticas que o PT irá lançar nos próximos meses. Também diversos intelectuais, entre os quais abordarei no futuro André Singer e Márcio Pochmann, continuam colocando o PT como eixo político a partir do qual as polaridades devem ser medidas. Aliás, esse é o tratamento dominante do tema há muito tempo: o “marcador político” que define a separação de campos políticos no Brasil vem sendo, nos últimos 20 anos, PT e anti-PT. O PSDB não constitui rival suficiente (em diversos Estados é totalmente irrelevante, como é o caso do RS, por exemplo), apenas ocupa esse papel na política paulista e ocupou na Presidência, por isso recebendo a generalização. O PSDB, no entanto, não tem a mesma organicidade positiva (petismo) e negativa (anti-petismo) que o PT mantém, fato confirmado a todo momento pela posição de destaque que este ocupa em veículos de perfil conservador.

Ainda hoje boa parte da leitura política na blogosfera e mesmo na academia continua girando sobre esse eixo. O PT é o marco definidor da polaridade: de um lado, a mídia conservadora e as oligarquias tradicionais e econômicas (onde não são a mesma coisa); de outro, a resistência do PT e das políticas que se baseiam no trabalho contra o capital. A obsessão anti-midiática dá pano para manga, já que boa parte da imprensa conservadora é de fato pautada pelo anti-petismo e mantém, como pólo invertido, o partido como seu inimigo mortal, apelando a todo tipo de absurdo e casuísmo para provar que o PT é a pior organização do mundo, o eixo do mal, o bando de ladrões de Lula e Dirceu e assim por diante. Tudo isso contrasta com a forma ajoelhada como o PT vem governando o país e a própria incapacidade de assumir um discurso contra essa mídia, simplesmente não negando que possa estar atuando de modo a não repetir a visão da direita acerca do progresso e da melhor forma de se posicionar em torno dos conflitos sociais.

Para o anti-petista não há nada a dizer. A obsessão contra o PT é infantiloide. Ela fica repetindo: “mas mamãe disse que o PT é malvado! Mas papai me ensinou que Lula come criancinha!”. O anti-petista grita raivosamente, não raro recorrendo a letras maiúsculas (as caixas de comentários provam isso para quem tem a indigesta ideia de ler) e coloridas que se sabe ser o grito no mundo virtual. Dá para debater com quem grita dessa forma? Claro que não. Os dois pontos abaixo são, portanto, para aqueles que ainda marcam o PT como eixo fundamental da política brasileira, insistindo em gastar energia na defesa incondicional do partido contra todo e qualquer ataque, uma vez que a divisória seria o ponto mais fundamental da política nacional. Os dois erros dessa leitura são os seguintes:

Primeiro: “O PT negocia com as oligarquias e os conservadores, mas isso é uma questão de governabilidade”. Esse raciocínio pressupõe que existe uma identidade de projetos entre o PT e, por exemplo, boa parte dos movimentos sociais 2.0 que surgiram nos últimos anos. Isso não é simplesmente verdade. A questão não é mais de velocidade de implementação. Na realidade, o PT não luta pelas mesmas coisas que a juventude que está se rebelando nas ruas. O modelo levado a cabo por Lula e aprofundado por Dilma é a ideia de “desenvolvimentismo” que boa parte da área econômica (chamada “heterodoxa”) e das ciências sociais (especialmente sociologia e ciência política) pensa ser o melhor. Ele envolve a retomada de certos princípios que confrontam a hegemonia do neoliberalismo e retornam aos projetos de crescimento nacional dos anos 50 (idealmente, é claro). Não raro inclusive elogiam as políticas econômicas da Ditadura Militar (Delfim é um aliado), embora procurem se posicionar mais ao lado do “trabalho” que do “capital”, enfrentando a “burguesia industrial” na aliança com o sindicalismo e alguns movimentos sociais. Ora, simplesmente não é nada disso que as ruas demandam hoje em dia. Não se trata apenas de melhorar a infraestrutura e os índices econômicos brasileiros, mas de se posicionar diante da falência do modelo sócio-ecológico em que vivemos. Que proposta tem o PT para uma nova matriz energética? Belo Monte, a obra que a Ditadura não conseguiu e a esquerda foi “sujar as mãos” fazendo? De que modo o PT pensa a questão da ecologia urbana? Fomentando a produção e o consumo de automóveis por meio de incentivos fiscais à indústria automobilística e fazendo obras de estradas e viadutos por todo país? Vivemos ainda na época do capitalismo industrial em que podemos confiar que uma produção nacional será o melhor modelo de crescimento econômico? Nem vou falar das políticas para o campo. Já não se trata mais de velocidade de implementação, mas sim de qual é o projeto em jogo. E o fato é que uma imensa parte da esquerda que aceitava mais ou menos o eixo PT para demarcar polaridades simplesmente não está mais do lado do PT, e portanto não aceita mais a demarcação porque ela a jogaria em um “não-lugar”.

Segundo: sempre se pode argumentar que isso é “sonhático”, coisa de “minoria com projetos ideológicos irreais”, mas a questão é: “e as ruas?”. Os petistas mais orgânicos, até fanáticos eu diria, estão simplesmente recusando legitimidade às ruas. Supostos “intelectuais de esquerda” atacando índios, greves (que entendem “fazer o jogo da oposição”) e chamando sem-tetos de “vira-latas”. A equação que permite esse raciocínio é: como o PT marca o eixo que separa direita e esquerda no Brasil, se esses movimentos atacam o Governo (que é o PT), consequentemente são de direita ou irresponsáveis. Esse raciocínio é de uma fraqueza tão elementar que chega a doer ter que o responder. A premissa é falsa. O PT não é mais esse marcador e a própria forma como esses blogueiros e intelectuais atacam os novos movimentos já indica isso.

Na realidade, como pretendo mostrar nas próximas postagens, há uma incompreensão generalizada dos defensores do marcador PT em torno do que está acontecendo no Brasil não desde os protestos de 2013, mas sim desde as eleições de 2010. Eles não compreenderam nada do fenômeno Marina e sua base social. Não que Marina hoje represente esse projeto, na aliança duvidosa (sendo condescendente) com Eduardo Campos. Talvez Marina nunca tenha representado esse projeto, mas o fato é que ela ocupou o papel durante as eleições passadas e mostrou que o marcador PT está errado. Para petistas, a juventude que votou em Marina é de filhos da burguesia que aderem à “moda” ecológica, com bandeiras “pós-materialistas” e simpáticos ao combate à corrupção. São um “centro” político. Tentarei mostrar que esse diagnóstico é falso e repete os mesmos vícios que a esquerda tradicional carregava em relação aos movimentos de 1968. Os mesmos preconceitos, a mesma doutrinação, a mesma cegueira em relação a potencialidades e transformações fora do eixo marxista ortodoxo. A incompreensão em torno da catástrofe ecológica em curso e a simplificação do binômio “barbárie/civilização” (o caso dos índios é emblemático nesse sentido), posto em questão justamente pelos pensadores que levaram 1968 a sério e são solenemente ignorados provoca a incompreensão de que os movimentos brasileiros, em sintonia com o resto do mundo, carregam uma energia de “grande recusa” que já não cabe mais nos escaninhos da burocracia petista. O fato de Egito, Turquia, Espanha, EUA, Grécia e outros tantos países viverem situação semelhante não diz nada para esses analistas, na medida em que o problema é como o PT vai continuar no poder. Esperança messiânica é pouco. Trata-se de uma sacralização de uma organização específica que distorce os conflitos políticos para mantê-la fora do alcance da crítica. Um fenômeno que explode essa polaridade é deslocado para seu interior, sendo completamente mutilado enquanto força contestatória.

Não por acaso essa juventude não se sente identificada com esses analistas (que parecem um pouco aqueles “tiozões” afirmando “no meu tempo é que se fazia política”). Ela viu o PT no poder desde a infância e percebe o que hoje ele representa em termos de força de transformação social. Não projeta sobre a realidade um quadro de 20 atrás, quando o PT cumulava forças dissonantes da sociedade e pretendia não se tornar uma aglomeração burocrática. Isso não significa que o PT é irrelevante e nem que devemos fomentar o anti-petismo, mas apenas e simplesmente uma resposta ao problema do post: o PT não é mais o eixo de demarcação da política brasileira.

Moysés Pinto Neto


Pesquisador trandisciplinar da violência. Doutorando em Filosofia (PUCRS). Professor da ULBRA.

Fonte: O Ingovernável

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