novembro 15, 2014

"Oximity e NINJA: quando ‘mídia independente’ vira negócio". Por Cui & Bonno

PICICA: "Plataforma de mídia digital fundada por ex-banqueiro de Wall Street, Oximity, parceiro da NINJA, conta com investidores bilionários e visa gerar receita através do trabalho voluntário de escritores e coletivos independentes."
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"Não há a menor dúvida que as pessoas devem se apropriar de ferramentas de comunicação, criar veículos independentes e se organizar em rede para fazer suas próprias vozes serem ouvidas. Isso não está em debate, como tampouco discute-se aqui a qualidade do Oximity como plataforma de criação e troca de conteúdo noticioso em diversas línguas. As questões são: até que ponto Mídia Ninja, leia-se Fora do Eixo, e Oximity pode ganhar status, fazer banco de dados, ter maior visibilidade e conseguir financiamento com base na exploração da mão de obra gratuita de voluntários engajados em determinada causa?

Iniciativas legitimamente ativistas, como o Centro de Mídia Independente (Indymedia), que nasceu no contexto (e por necessidade) das lutas antiglobalização no fim dos anos 90, diferem-se de Mídia Ninja e Oximity exatamente nesse ponto. Ao contrário deles, o CMI (e tantos outros) foi criado a partir de lutas sociais, de dentro do movimento conhecido como Ação Global dos Povos (AGP), e não possui ligação com megacapitalistas ávidos por lucro ou governos em busca de conciliações, como no episódio Fora do Eixo/Ninja e a campanha “Existe Amor em SP” ou em embates no Ministério da Cultura (só pra citar dois exemplos). Trata-se de uma rede organizada de forma horizontal e que de fato busca a independência."

Oximity e NINJA: quando ‘mídia independente’ vira negócio

Plataforma de mídia digital fundada por ex-banqueiro de Wall Street, Oximity, parceiro da NINJA, conta com investidores bilionários e visa gerar receita através do trabalho voluntário de escritores e coletivos independentes. Por Cui & Bonno 

Anunciada como forma da Mídia Ninja se libertar de mídias comerciais como o Facebook, a parceria com o Oximity não tem nada de subversiva quando olhada de perto. Com um investimento inicial de U$S620 mil, a empresa é uma startup de comunicação fundada por Sanjay Goel, ex-banqueiro de Wall Street, no Vale do Silício, Califórnia, em 2012. Seu objetivo? Revolucionar o mercado de notícias através do empoderamento dos usuários, que criam e consomem conteúdo na plataforma gratuitamente (por enquanto).

Segundo consta no site da empresa:
A missão da Oximity é a re-engenharia da indústria de notícias, fornecendo uma alternativa substantiva, e melhorar significativamente a mídia tradicional como um provedor de notícias mainstream. Fazemos isso através da captação de notícias diretamente da fonte, facilitando a curadoria pelos leitores, e distribuir o conteúdo das notícias através da internet.

 

A ideia de uma plataforma colaborativa de notícias não é nova, mas atraiu atenção dos megainvestidores Ronnie Screwvala,  Krisnam Ganesh, Sashi Reddi e Anand Ranganathan, bilionários indianos assim como Sanjay Goel, co-fundador da Oximity com Christian Hapke, empreendedor alemão na área de TI [Tecnologia da Informação]. Conforme matéria do India Times, o grupo segue o movimento de outros bilionários que buscam engrandecer suas fortunas com investimentos em mídia digital e expansão da internet em tempos de crise nos veículos tradicionais de mídia. Fazem parte desse grupo nomes como Pierre Omidyar, fundador do eBay e principal financiador da First Look Media, e “capital ventures” (nome dado a fundos de investimento que apostam em empresas jovens pequenas e médias) como a Spark Capital, que investiu no começo do Tumblr e levantou US$8 milhões para a Upworthy, startup de mídia fundada em 2012 e especializada em conteúdo viral. Hoje a Spark gerencia aproximadamente US$1.825.000.000.

Em comunicado no Facebook, a Mídia Ninja, principal coletivo de comunicação do Fora do Eixo, diz que “os veículos independentes não podem ter seu poder de comunicação limitado e restrito às redes sociais comerciais, como o Facebook, que a cada dia fortalecem a lógica de monetarização da mídia, cobrando para difundir conteúdos.”

Ninguém é louco de discordar que ser refém do Facebook não é uma boa para veículos independentes. Mas será que o Oximity é tão diferente? Você realmente acredita que três bilionários só querem a “democratização da indústria da notícia”, como alega Ronnie Screwvala, fundador de um dos maiores conglomerados de mídia indianos, a UTV Communications, que hoje pertence a Walt Disney Co? Em entrevista ao Indian Times, Ronnie paradoxalmente revelou que vê o Oximity como ferramenta para a democratização ao mesmo tempo em que defende a empresa como potencial “dominant player” (agente dominante) no novo cenário da indústria da notícia. Democratização com monopólio e agente dominante? E pensa que engana…

Quem lucra com a sua colaboração gratuita

 

Não há a menor dúvida que as pessoas devem se apropriar de ferramentas de comunicação, criar veículos independentes e se organizar em rede para fazer suas próprias vozes serem ouvidas. Isso não está em debate, como tampouco discute-se aqui a qualidade do Oximity como plataforma de criação e troca de conteúdo noticioso em diversas línguas. As questões são: até que ponto Mídia Ninja, leia-se Fora do Eixo, e Oximity pode ganhar status, fazer banco de dados, ter maior visibilidade e conseguir financiamento com base na exploração da mão de obra gratuita de voluntários engajados em determinada causa?

Iniciativas legitimamente ativistas, como o Centro de Mídia Independente (Indymedia), que nasceu no contexto (e por necessidade) das lutas antiglobalização no fim dos anos 90, diferem-se de Mídia Ninja e Oximity exatamente nesse ponto. Ao contrário deles, o CMI (e tantos outros) foi criado a partir de lutas sociais, de dentro do movimento conhecido como Ação Global dos Povos (AGP), e não possui ligação com megacapitalistas ávidos por lucro ou governos em busca de conciliações, como no episódio Fora do Eixo/Ninja e a campanha “Existe Amor em SP” ou em embates no Ministério da Cultura (só pra citar dois exemplos). Trata-se de uma rede organizada de forma horizontal e que de fato busca a independência.

 

Mas se a plataforma Oximity e o novo Portal Mídia Ninja são totalmente gratuitos, como os investidores lucram com o negócio? Da mesma forma que o Facebook quando começou: coleta e venda de dados. É bem simples. Ao se inscrever no Oximity através de sua conta no Twitter, Facebook ou Google Plus, o usuário entrega o seu perfil de bandeja. E quem quer saber se você gosta de reggae, rock ou samba? Se curte homens, mulheres ou trans? A resposta é: TODAS AS EMPRESAS PRESENTES NA INTERNET. Através da compra e análise de dados aparentemente supérfluos, empresas podem orientar melhor suas campanhas digitais. E isso os megainvestidores do Vale do Silício sabem muito bem e costumam colocar avisos na parte de Termos e Compromisso — que quase ninguém lê antes de se cadastrar em plataformas ou baixar aplicativos. Embora Fora do Eixo e Mídia Ninja tentem pintar a parceria como uma iniciativa ativista e sem interesses comerciais, o Oximity não é diferente de outras plataformas e traz o seguinte em seu site:
Não divulgamos informações sobre pessoas identificáveis ​​para os nossos anunciantes, mas podemos fornecer-lhes informações agregadas sobre nossos usuários. Também podemos usar essa informação agregada para ajudar os anunciantes a atingir o tipo de público que deseja atingir. Podemos fazer uso dos dados pessoais que coletamos de você para que possamos atender aos desejos de nossos anunciantes por expor o seu anúncio para que público-alvo.
Além de gerar dados para serem vendidos a diferentes empresas, o aumento da base de usuários também pode se converter em dinheiro de outras maneiras. Lembra-se da época em que o Facebook não pedia grana para bombar posts de fanpages? Ou quando não haviam anúncios na timeline? Tudo indica que vai acontecer uma transformação semelhante no Oximity. Como prever? Fácil. A empresa não esconde a estratégia e diz em seu site:
No momento estamos completamente focados em construir o melhor produto possível, envolver os usuários e aprender com eles para refinar ainda mais o nosso produto. Uma vez que tenhamos isso, e ter uma massa crítica de usuários, vamos começar a apresentar alguns modelos de receita propostos para obter feedback dos nossos usuários.
Ainda no site da empresa, dessa vez na seção Termos e Compromissos, a Oximity pede plenos poderes sobre os perfis de seus usuários, podendo, inclusive, alterar os preços das contas (hoje gratuitas).
Oximity pode mudar as características de qualquer tipo de conta, pode retirar ou introduzir novas funcionalidades, produtos ou tipos de conta a qualquer momento e por qualquer motivo, e pode alterar os preços cobrados por qualquer uma de suas contas ao longo do tempo. Em caso de qualquer aumento no preço ou material redução nas características de qualquer conta para a qual você se inscreveu, essa mudança (s) será comunicada para você e só terá efeito em relação a qualquer renovação ulterior da sua assinatura. Em todos os outros casos, em que Oximity propõe a fazer alterações em qualquer tipo de conta que você se inscrever, e essas mudanças são relevantes e sua desvantagem, Oximity irá notificá-lo sobre as alterações propostas pelo envio de uma mensagem na sua conta Oximity e / ou um e-mail para o endereço de e-mail, em seguida, atual que temos para a sua conta com, pelo menos, 48 ​​horas de antecedência. Você não terá nenhuma obrigação de continuar a utilizar a plataforma depois de qualquer notificação, mas se você não cancelar a sua conta, conforme descrito na seção de Rescisão abaixo, durante esse período de 48 horas, o uso continuado de sua conta após o fim desse período de 48 horas constituirá a sua aceitação das alterações na sua conta.
Talvez Mídia Ninja/Fora do Eixo não tenham lido atentamente a parte das “perguntas frequentes” ou dos “termos e compromissos” de cadastro e por isso anunciam a parceria como uma forma de se livrar da crescente monetarização do Facebook e de outras plataformas comerciais. Talvez pulem fora quando começar a tal “geração de receita”. Isso só o futuro vai dizer. Mas uma coisa é certa: Mídia Ninja/FdE não dorme no ponto. Se o Oximity quer imitar o Facebook e formar uma boa base de usuários/produtores de conteúdo antes de lucrar em cima deles, a Ninja já abriu seu canal de doações e fechou parceria com a Fundação Ford.

A grana arrecada por crowdfunding (financiamento coletivo) ou oriunda de outras fontes, no entanto, não chega nas mãos dos produtores de conteúdo que mantêm vivo o projeto do Fora do Eixo, famoso por arrecadar verdadeiras fortunas em editais públicos e criar sua própria moeda: os cubo cards. Se o dinheiro real que entra para a Mídia Ninja é reinvestido na rede ou vira cubo card poucos podem responder, já que o balanço com receitas e despesas não é divulgado no portal.

Já na página em que pede doações, a Ninja mostra mais uma vez aparente desconhecimento sobre seus novos parceiros megacapitalistas para justificar o pedido por dinheiro, contribuindo para a manutenção da cortina de fumaça que nebula as relações de trabalho e exploração presentes na rede.

O debate em torno da economia e financiamento coletivo, bancada pelo próprio público e participantes de projetos, causas e ideias, aponta para um novo horizonte da economia do Comum. Não queremos vender publicidade nem nos atrelar ao mercado, sabemos a importância de inovar e combater os interesses corporativos dentro e fora das redações.
Ao participar de uma plataforma gerida e fundada por Sanjay Goel — ex-banqueiro de Wall Street e especialista em estruturação de mercados emergentes, trabalho que realizou para bancos como HSBC e Deutche Bank — e financiada por um barão da mídia tradicional indiana, o senhor Ronnie Screwvala, a Mídia Ninja contradiz seu discurso de “não se atrelar ao mercado”. A relação com o mercado pode não estar escancarada através de venda de espaço para publicidade, mas é facilmente percebida em qualquer análise grosseira da parceria.

Para Sanjay, Ronnie, Ganesh, Reddi e Rajaraman, empreendedores em série, o Oximity é mais uma de suas empresas que pode ser extremamente lucrativa em um mercado emergente, o de mídias ‘independentes’. Para exemplificar como a relação investidor-produto é orientada quase que exclusivamente pelo lucro, depois de vender seu conglomerado de mídia para a Walt Disney, Screwvala passou a investir no comércio de produtos de fazenda, lingeries, óculos e outros, seguindo apenas critérios de mercado.

 

Em sua “venture” com Sanjay, a Oximity, Screwvala divide com Ganesh, Reddi e Rajaraman o título de “investidor anjo”, nome dado ao financiador que faz grande aporte de dinheiro em uma empresa recém-criada e assume riscos em troca de compensações futuras. É aí que a supracitada “economia do Comum” (termo usado pelo Fora do Eixo) revela a quem está submetida. Aos produtores de conteúdo sobra apenas o status de ser um colaborador, alguns tapinhas nas costas e a sensação de dever cumprido. Enquanto isso, os investidores indianos lucram com a exploração da mão de obra gratuita de coletivos como a Mídia Ninja, e a alta cúpula do Fora do Eixo ganha em exposição, expande seu mercado cultural e aumenta sua influência e poder de barganha com governos e empresas.

Fazer jornalismo tradicional demanda um bom volume de dinheiro. É preciso pagar equipamentos e profissionais qualificados. Já o jornalismo-ninja-streaming baseado em crowdsourcing é bem mais barato. Sim, você precisa de bons equipamentos e alguns voluntários que dominem técnicas de comunicação. No entanto, o grosso do negócio, de acordo com Rafael Vilela, coordenador do lançamento do novo portal Ninja, é fazer conteúdo de “baixa resolução e alta fidelidade”. E para isso são necessários apenas smartphones, boa conexão e, o mais importante, alguém disposto a ir ao local de cobertura e trabalhar de graça.

Muitas vezes, a cobertura é feita em zonas de conflito, como manifestações brutalmente reprimidas pela polícia, oferecendo risco ao ninja que está em campo. Mas tudo bem. Afinal, vale tudo “pela causa”. O problema é que tem gente capitalizando em cima do trabalho e “da causa” desse ninja, que vira inocente útil nas mãos de quem sabe muito bem o que faz. Diferente seria se o fazer voluntário do repórter não se convertesse no lucro de poucos ou se ao menos a relação de trabalho fosse clara aos colaboradores da Mídia Ninja e demais coletivos e escritores do Oximity.

Não caia em ciladas — SIGA O DINHEIRO!

Para evitar ser explorado de maneira desonesta seja por mídias que se dizem independentes ou por tradicionais jornalões, basta seguir o caminho do dinheiro. Não muito diferente do que ocorre em veículos da grande mídia, no caso de Oximity e Ninja, assim como a produção de conteúdo é feita de baixo pra cima, o fluxo de capital (real e simbólico) segue a mesma lógica. Na maioria dos veículos da grande mídia o repórter é superexplorado e censurado, mas sabe muito bem quem ganha com seu trabalho. Já no caso da Mídia Ninja e Oximity existe uma cortina de fumaça pseudoativista-altermundista que nebula a relação entre o trabalho dos ninjas e o lucro real e simbólico dos investidores indianos e de pessoas bem posicionadas na hierarquia do Fora do Eixo.

Oximity x Ninja: troca-troca sacaninha

 

Segundo matéria da Folha de São Paulo, o contrato de um ano entre Oximity e Ninja não envolve dinheiro, mas um troca-troca entre as partes. Os brasileiros dão subsídios para o desenvolvimento da plataforma, além de entrarem com uma base de usuários que se convertem em dados geradores de receita para a empresa de tecnologia. O Oximity, por sua vez, hospeda o site da Mídia Ninja em sua plataforma sem cobrar nada. Assim, o que é anunciado como “lógica solidária de fortalecimento mútuo” não passa da velha mão-que-lava-a-outra em transações capitalistas, a permuta, ou de troca de favores e assinaturas entre políticos e empresários.

A semelhança entre Fora do Eixo e os megainvestidores indianos não para no fato de usarem máscaras pseudoativistas para esconder interesses políticos e econômicos. Da mesma forma em que o Fora do Eixo faz uso da estratégia de fundar (e afundar) centenas de coletivos pra ver qual “vira”, empreendedores em série, como os indianos, abrem uma empresa atrás da outra com o mesmo objetivo. Enquanto Screwvala controla fundos capitalistas que investem em milhares de startups, o Fora do Eixo investe boa parte da receita ganha com editais e cubo cards na criação de novos coletivos. Evidentemente, tanto Screwvala e Sanjay quanto a alta cúpula do FdE, que tem mais de 57 CNPJs ligados ao seu nome, posam de filantropos e-ou altermundistas interessados somente em tornar o mundo um lugar melhor. Engraçado é que o mundo deles funciona sobre as mesmas relações de poder que anunciam querer derrubar. Na dúvida, é só perguntar Cui Bono – A quem interessa?

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