novembro 25, 2014

"Pois quando tu me deste a rosa pequenina e a Petrobras", por Jair Antonio Alves

PICICA: "Meio a manifestação explícita de mau-caratismo jornalístico o Brasil é sacudido por uma faxina geral que pode estar abrindo uma caixa de pandora com conseqüências imprevisíveis."

Pois quando tu me deste a rosa pequenina e a Petrobras

Meio a manifestação explícita de mau-caratismo jornalístico 
o Brasil é sacudido por uma faxina geral que pode estar abrindo
uma caixa de pandora com conseqüências imprevisíveis. 
 
O Portal Macunaíma resolve que se colapso existe que ele 
venha com toda sua potencialidade. Se os donos da nação desde 
os tempos do Império estão prestes a prestar contas de seus 
atos, porque o teatro estaria isento de responsabilidade? 
Abrimos nova etapa de cobertura de eventos artísticos 
assistindo Let’s Just Kiss And Say Goodbye e aqui 
registramos em três etapas o que este evento propicia. 
Avaliação do dramaturgo e ator Jair Alves, parecer do escritor e 
prosador chinês Liu Sai Yam, além de entrevista com a diretora 
do espetáculo Elisa Ohtake. Esperamos que os textos falem 
por si só.

 

Portal Macunaíma – Editora jornalista Suely Pinheiro  
 
 
 
Pois quando tu me deste a rosa pequenina


Jair Antonio Alves

Por muitos anos hesitei ver de perto o trabalho artístico de Elisa Ohtake, por motivos exaustivamente relatados anteriormente nas páginas deste Portal (ver "Filhos da Liberdade"...). Outra palavra não vem à mente salvo – paradoxal. A partir de um episódio absolutamente casual (um ator em cena relaciona-se com um bebê ainda no colo uterino). Demorei mais de três décadas para avaliar como vive hoje esse bebê, hoje mulher e profissional. O encontro aconteceu neste dia último também envolvendo palco e platéia. O resultado que se segue, como se verá, não deve ser apenas um fiapo de drama do tipo “filme feito para a tevê” tão comum em nossas vidas. Tudo leva a crer se tratar de uma parábola dramaturgica que encerra várias gerações de artistas frente a sua realidade social, política e principalmente econômica. Conheço alguns outros casos de “filhos de artistas” que podem ilustrar essa dicotomia pouco traduzida em versos ou peças de teatro (quem sabe filmes na categoria B). Como exemplo lembrei-me hoje da amiga, dramaturga e atriz Gabriela Rabelo que as portas da Anistia em 1978 e no laço da revogação do AI-5 carregava no útero mais um filho. Ele também ai está pra ilustrar com sua vida e talvez obra o que parece tão evidente. Vejamos...

Por outra, voltar ao SESC – Santana para assistir Let’s Just Kiss And Say Goodbye me fez lembrar sob determinada ótica  o aeroporto internacional de Monterrey México, obra arquitetônica futurista cravada meio a miséria do estado de Nuevo León. A unidade recreativa, esportiva e cultural paulistana em questão, embora não muito longe do centro da capital, é cercada por uma realidade social contraditória, onde se mistura acumulação capitalista e miséria absoluta dosado por uma moral conservadora da pior que se tem conhecimento em toda zona norte da cidade. O resultado dessa mistura é o embate social e conflitos sem aparente solução em médio prazo.

E o que tem a ver o cós da calça e o ela traz dentro?

Há semanas, de novo o paradoxo, vimos na avenida Paulista algumas centenas de incautos fazendo manifestação para o retorno do regime militar e deposição de uma presidenta eleita constitucionalmente. Há menos de quatro décadas fomos às ruas para pedir Anistia, liberdade de imprensa e justiça social, sem contar com ainda eleições diretas em todos os níveis. Esse recuo precisa ser debatido com todo vigor e vitalidade (tema da peça). De minha parte continuo acreditando que o teatro e as demais artes possam dar uma luz (e isso talvez tenha alguma coisa a ver com os barrigões que provocam estrias, mas também muita ternura de quem os contempla).

Como já dito fui conhecer vida e a obra de Elisa Ohtake de perto, aqui do lado de fora da vida, sem rede de proteção, lenço ou documento. Emoção pura. Sem contar que para quem foi reconhecer o cheiro da cria, ou sei lá que nome tem isso, acabei encontrando lampejos de uma experimentação vanguardista onde se confluem várias gerações de artistas até 1979. Renato Borghi, defensor incansável do teatro de consistência dramaturgica cristalina, é na verdade o elo (perdido) dessa história a beira de um ataque de nervos.

 

Vi, posso afirmar, cinco excelentes atores dando nó em pingo d'água, ensacando fumaça, estimulados por um único tema – vitalidade. Tentei discutir em entrevista com Elisa (texto a seguir) a razão do distanciamento da realidade que palpita do lado de fora da cena – sem grande sucesso. A conversa não prosperou nesse sentido mas deixo registrado aqui que o desejo de dialogar com essa rapaziada continua que toma conta dos palcos nos dias de hoje. Elisa não está só em cena, pode, numa variação do mesmo tema, representar a nova perspectiva dos artistas contemporâneos. Ainda sobre os atores, não é exagero afirmar que estão bastante bem preparados para revolucionar a cena brasileira, em qualquer tema pouco mais engajado. Só falta algum sinal de estarem dispostos a tamanha tarefa.

Há pouco mais três anos o Portal Macunaíma encontrou uma atriz talentosíssima e a acompanhamos por algumas peças sempre lembrando a ela os atores da era Ditadura militar vinham na sua maioria de camadas populares, sem muito lastro intelectual e cultural. Lembramos sempre que toda revolução da cena que se fez nas décadas de sessenta e setenta aconteceram artistas que não ultrapassaram o segundo grau. Levantávamos como tema qual a contribuição que a Academia tinha dado ao teatro se comparada à luta pela sobrevivência das gerações anteriores. A provocação ficou sem resposta e a atriz e diretora sumiu na multidão na luta pela sobrevivência.

Voltando a Vamos nos Beijar e Dizer Adeus,  a certa altura um ator (ou seria personagem?) faz uma referencia em tom professoral a “artes cênicas”. Nesse momento garrei a imaginar se talvez estejamos falando de coisas distintas. Nem sempre artes cênicas é dramaturgia. Não bastasse um apresentador de programa das noites de sábado (já na hora de se aposentar) insistir em definição equivocada do que seja dramaturgia. Ele insiste dizer que participantes do BBB que vão fazer pontas nas telenovelas “passou a fazer dramaturgia”. Penso agora  vejo que a confusão por ser ainda maior em setores onde levamos muito a sério, a Academia por exemplo. Temos uma dicotomia entre o que se fez na história do Teatro Brasileiro e o que se escreve e fala dele hoje em dia.

O que vi e todos podem e devem conferir até final de dezembro no mesmo SESC, é um exercício de artes cênicas, com resultados surpreendentes. Isso é bom, mas pode significar que algo ainda precisa ser dito. Seguramente não é dramaturgia. Apesar dos atores chegando até “quase fazer chover em cena” entrando de cabeça em cenas do repertório universal, a dramaturgia pressupõe uma convenção entre palco e platéia, que absolutamente não existe. A referencia da peça aqui citada é sempre é o próprio ator, desprovido, do que pude entender, de sua própria história e não do mundo em que ele vive. Ao final há uma referencia dispersa, como uma resenha, como notas ao pé da página mas diz pouco, entendo eu. Não vi nenhum ator-personagem inspirado em Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Naum Alves de Souza, muito menos dos novos dramaturgos ainda vivos (Naum ainda está vivo mas desistiu de escrever para teatro, Tide Nogueira idem).

Melhor deixar muito claro: não está proibido fazer teatro sem dramaturgia; é possível e permitido inclusive fazer teatro sem atores, até sem personagens. Pesquisas ao longo das últimas décadas provaram isso, no entanto a dúvida persiste – se as artes cênicas, na sua grande maioria são pagas com dinheiro público, não é justo encarar que estejam enquadradas no rol das políticas públicas? Que resposta esse teatro feito nesse padrão oferece para o momento?

Elisa afirma que seu texto está fundamentado na exploração da vitalidade. Perfeito!!! Há quarenta anos o psiquiatra e poeta brasileiro Jamil Amansur Haddad descrevia manipulação  pelo capitalismo da energia na linha de produção, como no consumo. Sem produção fake (a expressão nem existia a época de Jamil) da frustração, que leva ao desejo, não tem consumo e a máquina não funciona, entra em colapso.

Depois de registrar e me emocionar com a energia despendida em cena, não tenho dúvidas – os atores reproduzem em Vamos nos Beijar e Dizer Adeus, o mesmo ritual da vida de um operário, de um cientista, de um feirante. Mas eles produzem neste caso especifico o que? O que isso tem a ver a nossa realidade?

Ainda em movimento, mas me arriscando digo: num tempo em que se prenuncia o colapso das relações entre empreiteiras e o poder público, o teatro e as artes vão se apoderar desse vínculo tão desprezível, vão?  Qual o canal direto de comunicação entre palco e platéia? Afinal quantos grupos (importantes ou não) vivem hoje sob a tutela da Petrobrás?

 

Entrevista feita durante a semana por in Box na semana que se seguiu a estréia do espetáculo com Elisa Ohtake.

Portal Macunaíma: Já adiantando onde queremos chegar alerto que o Portal Macunaíma quer fazer um paralelo entre o teatro brasileiro feito no inicio da industrialização e o atual momento do desenvolvimento econômico e cultural por que passamos. Em que circunstancias históricas essa despedida acontece, já que a maioria dos textos que cada um gostaria de representar são atemporais?

Ainda mais, o que mais chama a atenção no desenvolvimento das atuações parece não estar atrelada a nenhuma realidade histórica especifica, nem a contextos. Os grandes atores e grupos da segunda metade do século XX (no Brasil) em sua maioria eram oriundos de camadas populares e principalmente de classe média. Não sem razão, um dos grandes sucessos do teatro brasileiro, e que teve sua mãe a atriz Célia Helena como grande destaque (Os Pequenos Burgueses). Nele era apresentada dramaticamente à situação econômica, social e psicológica de um extrato que crescia vigorosamente nas grandes cidades em meados da década de sessenta. Em algum momento essa questão foi colocada no processo de criação como estímulo?, ou seja, os atores na atualidade se perguntaram quem são de onde vem e pra onde pretendem ir?

Elisa Ohtake:

É claro que esses atores são muito conscientes política e artisticamente mas o lugar da discussão política em Let’s Just Kiss And Say Goodbye é outro: Gilles Lipovetsky (sociólogo e filósofo) nos diz, sabiamente, que o capitalismo captura pelo culto à excitação incessante, pelo vício aos estímulos que vêm de todos os lados. Lets Just Kiss And Say Goodbye evoca essa questão em forma de pergunta: como discutir a vitalidade radicalmente se o capitalismo justamente captura pelo culto das emoções totais, pela exploração intensa das sensações sensacionais, pelo tremor, pelo frescor? Como? É um desafio político. É isso que nos interessa. Let’s Just Kiss And Say Goodbye é uma peça contemporânea que aborda essa questão contemporânea. É uma peça que tenta discutir a vitalidade radicalmente, na vizinhança com a dor, a morte, o risco, a festa. Para isso ocorrer eu criei uma situação, um blefe descarado, pedi a eles que atuassem como se fosse a última peça e essa estratégia é exposta à platéia. Os atores fazem um blefe meio tosco propositalmente antes de começarem a atuar radicalmente, um blefe poético, irônico, quase abstrato para depois atacarem atuando com a máxima vitalidade. Não faria sentido entrar seriamente na discussão “quem são, da onde vem e pra onde vão”, seria uma outra peça. Nossa discussão política é de outra ordem nesse trabalho.

Portal Macunaíma: vocês deixaram claro nos realeses e no material de divulgação do espetáculo que não estavam discutindo “corrupção”, impeachment, sucessão presidencial, tão pouco falta de água e moradia para a maioria da população, nem é preciso alongar nisso. Porém algo intrigante fica no ar e que definitivamente carece de respostas imediatas tal como os temas acima. Há possibilidade dessa rapaziada que ocupa diuturnamente os palcos hoje dialogar com um passado teatral nem tão distante?

Elisa Ohtake:Eu não falo isso no programa da peça, por favor, não coloque a questão dessa maneira. Claro que há a possibilidade de dialogo, mas há várias maneiras de diálogos, há os mais explícitos e os menos explícitos, os mais fechados e os mais abertos, os mais óbvios e os mais enigmáticos, da ordem da sugestão.

Portal Macunaíma: as referencias teatrais ou dramaturgicas em grande parte do que é oferecida ao público remontam em certos casos há séculos, como Shakespeare, chegando a ponto de apresentar o tobe or not tobe em inglês. Muito bom isso, porque já se percebe que se necessário estamos formando atores que podem atuar a qualquer momento em produções internacionais. A sensação que se tem é que definitivamente falamos de duas realidades distintas, o que convenhamos não é verdade. O mesmo capitalismo, em tese focado no trabalho, é atinge ao mesmo tempo todos os universos, e não somente aquele da vida privada dos atores. Pensa assim?

Elisa Ohtake: Não há como separar uma coisa da outra.

Portal Macunaíma: A maioria dos cinco atores em cena, inclusive você, pertence àquela geração acostumada à prática da “criação coletiva” e mais recentemente a “ação colaborativa do ator”, em algum momento uma dramaturgia mais elaborada fez falta, se compararmos a evidente preparação como atores?Se isso aconteceu o esperam dos novos dramaturgos brasileiros?

Elisa Ohtake: A dramaturgia que venho desenvolvendo não é textocêntrica, no sentido tradicional do termo “texto”. Nos meus trabalhos o texto é corporal, visual e verbal também. A dramaturgia explode o texto verbal, vai além dele, a pesar da palavra estar muito presente.

Portal Macunaíma: Louvável essa sua preocupação em estender os caminhos da dramaturgia e da encenação. Paradoxalmente o Grupo Oficina no Brasil foi um dois primeiros a perceber essa necessidade de expandir os canais de comunicação com o público.

A década de sessenta é digamos assim, se for o caso, é o ponto inicial dessa prática, quando Living Theatre revigoraram Artaud, misturando com o distanciamento de Brecht. Digo paradoxalmente porque Célia Helena e grande parte do cast nacional surgiram dessa mistura. O racha do Oficina se deu justamente com a opção de um lado de José Celso pelo teatro total e Renato Borghi mantendo-se fiel à importância do texto. Assim colocado, e se verdadeiro, visualiza ainda algo mais para.ser explorado dentro da cena?

Elisa Ohtake:Esses grandes que você cita abriram um caminho incrível, eles mesmos exploraram muito mas ainda há muito a ser explorado. O Zé Celso é o exemplo vivíssimo disso até hoje.

Portal Macunaíma: Entendo como algo ainda a ser explicitado é que no elenco você conta ao menos com duas atrizes com trabalhos de importância excepcional na vertente texto manuseando dramaturgia, tal como podemos identificar Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, Brecht ou mesmo Anton Tchecov. Falamos de Luah Guimarães que dedicou grande parte da vida profissional a descoberta e difusão de novos dramaturgos e Georgete Fadel que inegavelmente é uma das mais brilhantes diretoras de teatro na atualidade. Concluindo: o foco do trabalho não é o universo atomizado das salas de ensaios onde circula apenas o mundo ali circunscrito, ou é?

Elisa Ohtake:

O foco do trabalho é a discussão radical da vitalidade.

Portal Macunaíma: Uma comparação com o Teatro Brasileiro mais tradicional: na sua grande maioria, TBC, Arena, Oficina dependiam em grande parte do ingresso pago na bilheteria. Hoje a maioria das produções dependem dos chamados incentivos fiscais e  então patrocínios diretos, com é o caso de produção viabilizada pelo SESC, ou programas governamentais. Isso é um problema ou um alento para os novos artistas da cena?

Elisa Ohtake: O Sesc é de grande importância para as artes no Brasil, assim como os programas governamentais. Mas não é o bastante, precisamos de mais conquistas políticas a todo momento.

Portal Macunaíma: Para finalizar.Não me fiz entender nessa última pergunta então a refaço: em que medida o grande público conta nos dias de hoje para a manutenção e desenvolvimento do teatro. O ingresso pago na bilheteria, como nos tempos do teatro ainda no playground. No Brasil em que hoje um ingresso de uma atividade ainda mais popular (futebol) chega custar mil reais é possível imaginar uma arte que se mantenha sem a ajuda do Estado?

Elisa Ohtake: (não respondeu).


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Teatro como representação da matéria ou
como expressão do imaterial

texto da equipe do Macunaima
com a colaboração decisiva de Liu Sai Yam

 

Parece-me, em princípio, que existe um descompasso fundamental entre as questões, sempre presentes nas discussões sobre o fazer artístico, da forma e do conteúdo. A dramaturgia de caráter mais explicitamente “realista”, e apoiada nas temáticas de interesse “coletivo”, em confronto com as abordagens centradas no indivíduo, enquanto manifestação de pulsões subjetivas e de prospecção psicanalítica.

A entrevista com Elisa Ohtake é um eeg (eletro encefalograma)  que desenha duas frequências distintas a representar concepções e intenções paralelas, porém divergentes, sobre a função social (a dizer, política) do teatro em particular e da arte em última instância. As perguntas do entrevistador trazem, embutidas, uma visão “clássica” de teatro, dada a partir das teorias elaboradas pela dramaturgia realista, em especial as que decorrem diretamente vinculadas às crises políticas e sociais do capitalismo, e que ocasionaram duas guerras mundiais e alguns ensaios de revolução social. Dramaturgia que abrange, sim, o experimental sempre atrelado a uma proposta de estabelecer formas de comunicação com o público. As respostas – melhor dizendo, réplicas – da autora e diretora, Elisa Ohtake, passam pela afirmação de que o teatro do terceiro milênio, em que o capitalismo pós-industrial impôs nova configuração às relações sociais, mediadas pela ultratecnologia e a crescente “democratização” das possibilidades ao consumo, requer novos caminhos à representação e uma reformatação da linguagem cênica, já não sendo possível a comunicação de caráter coletivo, somente a fragmentária e confessional. O autor e o ator não como voz e corpo de exercícios políticos e sociais, mas como portador de dúvidas existenciais no que se referem à sua própria função enquanto artista e, essencialmente, enquanto indivíduo.

A diluição dos grandes confrontos ideológicos, cujo ápice se deu na derrubada do Muro de Berlim, resultou em gerações posteriores para as quais arte e consciência não se estabelecem dentro dos territórios da política tradicional, porque as formas de organização e luta políticas já não apresentam feições de confronto amplo, ideológico; mas nas pequenas assimilações e na perplexidade do ser humano dentro de sociedades globalizadas (apesar de o pensador francês Gilles Lipovetsky, citado por Eliza Ohtake, antecipar o seu desacordo quanto à expressão). O próprio título da peça em foco – Let Just Kiss and Say Goodbye, extraído de um verso da canção setentista: Kiss and say goodbye – proporciona a pista quanto a intenção à despedida, o adeus a uma paixão ainda pulsante, mas irrealizável devido às circunstâncias dadas por uma nova realidade sobre a qual o indivíduo não possui nenhum controle.

O fluxo de onda do entrevistador situa-se na onda dos acontecimentos cotidianos oferecidos por uma realidade conflituosa entre bolsões de desenvolvimento a coexistir com amplos entornos periféricos de pobreza e violência; a implantação de centros sofisticados de ensino e promoção cultural ao lado de manifestações maciças de ignorância e inconsciência política; fatores que deságuam em distorções nas disputas dentro da “normalidade” democrática. A arte, especificamente o teatro, e mais especificamente o teatro subvencionado pelo Estado, precisando reinvestir-se da tarefa de “narrar” e “interpretar” a realidade política, social e econômica da sociedade em que está inserido (e que o financia), em suas contradições e suas faces invisíveis, escamoteadas. Em outras palavras, um teatro que bote um espelho na cara desta sociedade (no caso, brasileira) para que esta sociedade consiga enxergar a sua própria cara. Em suma, teatro social a levantar temas coletivos no sentido de conscientizar e, por finalidade última, como instrumento cultural de transformação política.  
         
Preocupação esta que não consta das proposições dramatúrgicas (não de forma direta) da autora e diretora Elisa Ohtake. A ação política imediata está no subtexto, no reconhecimento de si como caminho ao reconhecimento do humano, enquanto caldeirão íntimo de frustrações, desejos, utopias. O ser que se move (e nestes momentos as faixas de onda se tocam), a despeito de sua própria vontade. Personagens em busca de um (outro) autor.

Não se poderia esperar outro encaminhamento. A desconexão entre arte e ação política ocorreu sempre em momentos de máxima tensão, quando a dimensão trágica do mundo por vezes ultrapassa a dramaticidade das cenas abertas. Teatro foi sempre arma eficaz contra totalitarismos, políticos e culturais. Quando o totalitarismo se estabelece em zonas de falso conforto e quando as mídias eletrônicas padronizam o desejo humano pelo filtro de um único (último) desejo imposto pelos interesses de uma classe, os artistas inquietos procuram dentro de si mesmos a chave para se reconstruírem como agentes da história (mesmo ao modo dilacerado – é quando o teatro antitextual constrói pontes com Hamlet). Nisso reside a força psicodramática de Elisa Ohtake, e também o seu calcanhar de Aquiles. O teatro da crueldade pressupõe o reconhecimento dos fatores externos na destruição da individualidade; e não se confronta a crueldade latente da sociedade capitalista sem lancetar cruelmente a tentação idealista do psicologismo.

Ser ou Não Ser; e não o Que Seria... 

Fonte: Portal Macunaíma

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