Por Lenir Santos.
Tem sido comum associar as dificuldades da saúde pública com seu financiamento e gestão. Certamente a saúde pública é subfinanciada e tem problemas no desenvolvimento de sua gestão. Mas esta afirmação não pode isolar-se de seus fundamentos. Por que isso acontece?

Países desenvolvidos com saúde universal também sofrem com os seus crescentes custos. Contudo, há uma diferença essencial entre o Brasil e esses países, porque a saúde brasileira é subfinanciada ao contrário dos demais. Basta comparar os gastos públicos da Inglaterra, Canadá, Itália, França com os do Brasil que aplica 3.9% do PIB na saúde pública, enquanto os demais destinam por volta de 7 a 8%. Não há dúvidas de que os crescentes gastos da saúde preocupam a todos, mas certamente países que não consolidaram suas estruturas orçamentárias terão mais dificuldades ainda.

Saúde tem custos elevados e crescentes ante as incessantes tecnologias, o desejo de vida longa e saudável, as mudanças no perfil epidemiológico que alarga o tempo de vida e a expansão da saúde como mercado (seguro, serviços, produtos, insumos, medicamentos, tecnologias). Hoje a população é consciente de que pode viver mais e melhor, desejando tudo o que lhe for prometido. Dimensionar direito que custa não é tarefa fácil e na saúde, mais complexa ainda pela sua intrínseca ligação com o direito à vida. Por isso não se pode fazer afirmações simplistas, destituídas de fundamentos.

O sistema de saúde brasileiro é tripartido, ao mesmo tempo em que é único e regionalizado, pressupondo a integração dos serviços dos entes federativos nas regiões de saúde e seu consequente financiamento. Integrar serviços de entes constitucionalmente autônomos encerra dificuldades por si só, num país de 5570 municípios e 27 estados, desiguais em sua demografia, geografia e economia.
Durante os 24 anos de SUS, os esforços e criatividade dos gestores públicos permitiram a instituição de diversos mecanismos de gestão interfederativa, as quais têm possibilitado regionalizar o sistema e criar redes de atenção à saúde. Não há um único município brasileiro que não tenha serviços de atenção básica em funcionamento e uma rede com serviços de maior complexidade à qual possa referenciar seus pacientes.

Isso tudo é gestão pública. E não é pouca coisa o que se conseguiu estruturar até os dias de hoje no SUS. Muitas são as dificuldades de seus gestores ante uma Administração Pública que vem há mais de vinte anos enfrentando morosidade em sua modernização, o que afeta a saúde pública sobremodo pelas suas especificidades organizativas e seu subfinanciamento crônico. Essas dificuldades nos fazem respeitar mais ainda esses gestores públicos. Afirmar que não faltam recursos é desconhecer a saúde pública; afirmar que falta gestão é desconsiderar o histórico atraso da Administração Pública brasileira e desprezar os esforços realizados pelos gestores públicos com tão pouco dinheiro, sujeitos às pressões do mercado por incorporação de tecnologias e medicamentos, nem sempre de custo-efetividade compatível com o SUS; isso sem falar na judicialização incessante e deletéria ao planejamento da saúde. E não nos esqueçamos dos profissionais que se formam nas escolas públicas para atuação privada.

Dizer ainda que os gestores são corruptos por regra e que a fiscalização não é suficiente, é tratar de modo simples o complexo, demonstrando falta de conhecimento da realidade do SUS, que tem controle interno específico, o Sistema Nacional de Auditoria, além dos controles internos gerais e do controle externo dos tribunais de contas e o do Ministério Público sempre alerta para as questões da saúde. A CGU é um controle a mais.

Os gastos com saúde aumentam porque aumentam as necessidades e as demandas por novas tecnologias e medicamentos; a União não vincula receitas para saúde, palco de lutas antigas e atuais, como a emenda à lei que vincula recursos dos estados e dos municípios, mas não os da União.
Os auditores do controle interno do SUS não têm dificuldades para auditar o setor, pois sua função é tão-somente a de auditar o SUS federal, estadual e municipal.

Não há verbas em alta; pelo contrário. Há retração nas verbas públicas, em especial as da União e aumento das necessidades pelas mudanças do perfil epidemiológico como o envelhecimento, a violência social, as tecnologias, os medicamentos e novas doenças.

A organização social nem sempre é a melhor alternativa de gestão. Isso já ficou demonstrado cabalmente. Outras existem e devem ser aperfeiçoadas, assim como as próprias OSS que devem ser vistas como uma das alternativas e não como a única.

O SUS não pode ser esse sistema falido cantado pela mídia. Se assim fosse não seria tão procurado pelos beneficiários de planos de saúde que o querem como complementar aos seus serviços, o que não deixa de ser um dos problemas do SUS: atender beneficiários de operadoras de planos de saúde que abatem do imposto de renda os seus custos e ferem o princípio da igualdade ao atravessar as portas de entrada do sistema.

O SUS é um sistema que tem garantido cobertura à população, com todas as dificuldades do subfinanciamento e das estruturas administrativas, em especial as que se voltam para os serviços sociais, que não se modernizam há várias décadas. Por isso é preciso cautela quando se pretende denegrir os gestores públicos da saúde.

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Lenir Santos é  advogada, Doutora em saúde pública e especialista em direito sanitário.

Fonte: Cebes