novembro 13, 2014

"Um escândalo, sim!", por Lúcio Flávio Pinto

PICICA: "Lamento constatar que Jatene tem levado o seu governo para uma tendência esquizofrênica. Não ouve nem vê mais nada, só o que lhe é conveniente. Deu para se convencer de que é a voz do povo o que não passa de solilóquio dele. Reconhece como maná dos céus o cantochão dos seus assessores e áulicos. Confere legitimidade a interesses escusos que o incensam e o atiçam, como o grupo Liberal. Quanto à autocrítica, nunca mais." 

Cultura

Um escândalo, sim!

Sempre gostei do cidadão Simão Jatene. Desde o início das nossas relações, quando pertencíamos a grupos de interesse cultural na Belém na segunda metade dos anos 1960. Atuamos juntos, por exemplo, na implantação do Cinema de Arte do Olímpia. Só fui me lembrar disso quando vi uma notícia a respeito no já extinto jornal A Província do Pará, que nos citava como fontes de consulta para quem quisesse aderir à iniciativa. Reproduzi a referência numa das edições da Memória do Cotidiano do Jornal Pessoal.

Por essa época, antes das nossas diásporas, Jatene era do segmento musical, formando par afinado com Eliana, um dos pares da música local, como Avelino e Lulucha. Eu derivava mais para a literatura. Mas tínhamos pontos de contato no cinema. Depois seguimos distintas carreiras profissionais e montamos diferentes círculos de vida. Mas era com alegria que o reencontrava, recomposto com suas origens, atenciosos um com o outro, mesmo com nossas crescentes divergências.

Lamento constatar que Jatene tem levado o seu governo para uma tendência esquizofrênica. Não ouve nem vê mais nada, só o que lhe é conveniente. Deu para se convencer de que é a voz do povo o que não passa de solilóquio dele. Reconhece como maná dos céus o cantochão dos seus assessores e áulicos. Confere legitimidade a interesses escusos que o incensam e o atiçam, como o grupo Liberal. Quanto à autocrítica, nunca mais.

O governador tem feito declarações espantosas. Elas nada têm a ver com a realidade. Jatene reconstrói a história, adicionando-lhe ingredientes exóticos, e passa a achar que esse enredo não foi montado utilitariamente por ele, correligionários e aderentes. Entrou na quadratura do círculo. Tudo passou a ser espelho. O mundo exterior que se lixe.

Daí o governador ter precisado de três longos dias para se manifestar sobre a onda de violência que levou a 10 mortes em represália à execução de um péssimo policial militar por algum dos grupos marginais desafetos ou concorrentes no submundo da criminalidade, privada ou paraestatal. E quando falou, o governador disse coisas bizarras e surreais. Parecia desconectado de parâmetros confiáveis ou mesmo racionais.

O governo não responde mais a críticas nem presta contas quando chamado a esclarecer assuntos do mais lídimo interesse público. Como, por exemplo, essa orgia de cachês artísticos pagos pela Fundação Cultural Tancredo Neves. Tudo que aqui foi publicado se baseia em documentos divulgados por iniciativa da fundação através do Diário Oficial do Estado.

Considerando-se os valores pagos e os destinatários dos milhares e milhares de reais oriundos do erário, é um escândalo. O silêncio oficial só foi interrompido por cacofonias na internet. Como as redes sociais aceitam com mais tolerância do que o papel da velha imprensa convencional tudo que nelas é inserido, as coisas foram ditas como se fossem aleatórias. Ao invés de prestação de contas, esclarecimento, polêmica útil, alfinetadas e indiretas. E nada de dar nome aos bois, como manda a ética, mesmo na sua mais bovina versão.

Minha querida amiga e ex-aluna no curso de comunicação social da UFPA Adelaide Oliveira, presidente de outra fundação estadual, a Funtelpa, disse na sua página no Facebook:

“Em alguns lugares essa prática é proibida. A proibição evita que os deputados utilizem a verba somente para os grupos/artistas bandas que o apoiam. Não existe licitação para a verba que vem via emenda parlamentar. Outros deputados usam as emendas para a realização de bienal, reforma de teatro, etc. Outros preferem pagar cachês artísticos”.

Ney Emir Messias, que também presidiu a Funtelpa e agora se ensaia como cervejeiro, sendo também promoter de música, apimentou a observação de Adelaide (será que querendo atingir o autor da matéria, este que vos escreve?): “O dono da verdade deveria saber disto… ou será que ele apurou a pauta dele no whatsapp????”.

José Maria Vieira trouxe o debate para próximo da moralidade pública ao comentar:

“Quase todas as verbas de emendas vêm carimbadas… algumas vêm com tudo carimbado… quando são obras então… carimbam até os empregados que serão contratados pelas empreiteiras carimbadas que ganham licitações carimbadas…”

Adelaide voltou com esta observação:

“Você sabe o destino da emenda parlamentar do deputado que vc [não sei a quem ela estava se referindo, já que sou um macaco em loja de louças digitais] ajudou a eleger? E do deputado que você não votou mas também usa as emendas parlamentares? Muitas vezes esse dinheiro paga cachês artísticos. A instituição que recebe a emenda só repassa para bandas e/ou artistas alguns do segmento gospel, outros artistas são mais populares. A verba vem carimbada via deputada”.

Como dei causa a isso e não preciso de carapuça para entrar em assunto de interesse da opinião pública, sugiro que travemos o debate de forma mais proveitosa.

Dizem os presidentes da Funtelpa, que se celebrizou por assinar o mais vergonhoso contrato de mídia da história, com a TV Liberal, que o ordenador da despesa é apenas repassador de dinheiro que lhe chega carimbado (e encouraçado) em uma emenda parlamentar. O signatário do ato oficial de contratação nada pode fazer, segundo essa ainda mais espantosa versão.


Se o tal agente fosse digno, renunciaria ao cargo para não ser marionete e para não arcar com as maléficas consequências. O pagamento dos altíssimos cachês a grupos musicais, desconhecidos em sua maioria, é feito com inexigibilidade de licitação. Qual o seu fundamento legal? Onde o ato que declarou essa inexigibilidade? Quais os critérios de seleção e outros detalhes mais?

Se é assim, então que o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a própria Assembleia Legislativa esclareçam o caso, que, a despeito dos venenos e das defesas rasas, permanece como começou: uma orgia de dinheiro público em dissonâncias e decibéis.

Um escândalo!

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