março 23, 2016

Amor e política em tempos difíceis. POR Carla Rodrigues (BLOG DO IMS)

PICICA: "“Em 2010, apenas 10% dos adultos jovens usavam mensagens para propor um primeiro encontro, mas em 2013 já eram 32%. Assim, um número cada vez maior de nós volta e meia se vê sozinho, olhando para a tela de um telefone enquanto é tomado pelas mais variadas emoções”. Os números estão no livro “Romance moderno”, co-autoria entre o humorista Aziz Ansari  e o sociólogo Eric Klinenberg, que contribuiu para o projeto com uma extensa pesquisa sobre como as pessoas de diversas partes do mundo se sentem quando trocam afetos diante de uma tela de celular. Há tempos considero as mensagens de texto inadequadas para relações afetivas. Não apenas romances, mas amizades ou relações familiares mais perdem do que ganham na lógica do whatsapp, corruptela de “what is up?”, ou “o que está rolando?”, pergunta banal que pode levar a respostas ainda mais banais. 

Lembro de ter resistido até onde pude a não aderir ao whatsapp, em grande parte porque me parecia o fim de uma conversa em que, do outro lado do aparelho, seu interlocutor pode escrever duas palavras e enviar. As frases completas, com suas pontuações, pausas, argumentações, começaram a desaparecer. Claro que ainda há quem, como eu, redija textos de seis linhas, sobretudo depois que aderi ao whatsapp na web, mas na tela do celular, na velocidade e frieza dos textos curtos, soluçantes, fragmentados, a comunicação é mera ilusão, e a ferramenta mais serve para afastar do que para aproximar, mais produz mal entendidos do que diálogos." 


Amor e política em tempos difíceis

POR Carla Rodrigues | 22.03.2016



Salvador Dalí. Telefone lagosta, 1938.
“Em 2010, apenas 10% dos adultos jovens usavam mensagens para propor um primeiro encontro, mas em 2013 já eram 32%. Assim, um número cada vez maior de nós volta e meia se vê sozinho, olhando para a tela de um telefone enquanto é tomado pelas mais variadas emoções”. Os números estão no livro “Romance moderno”, co-autoria entre o humorista Aziz Ansari  e o sociólogo Eric Klinenberg, que contribuiu para o projeto com uma extensa pesquisa sobre como as pessoas de diversas partes do mundo se sentem quando trocam afetos diante de uma tela de celular. Há tempos considero as mensagens de texto inadequadas para relações afetivas. Não apenas romances, mas amizades ou relações familiares mais perdem do que ganham na lógica do whatsapp, corruptela de “what is up?”, ou “o que está rolando?”, pergunta banal que pode levar a respostas ainda mais banais.   

Lembro de ter resistido até onde pude a não aderir ao whatsapp, em grande parte porque me parecia o fim de uma conversa em que, do outro lado do aparelho, seu interlocutor pode escrever duas palavras e enviar. As frases completas, com suas pontuações, pausas, argumentações, começaram a desaparecer. Claro que ainda há quem, como eu, redija textos de seis linhas, sobretudo depois que aderi ao whatsapp na web, mas na tela do celular, na velocidade e frieza dos textos curtos, soluçantes, fragmentados, a comunicação é mera ilusão, e a ferramenta mais serve para afastar do que para aproximar, mais produz mal entendidos do que diálogos.  

Quando se trata de relações amorosas, existe alguma possibilidade de troca afetuosa em mensagens de áudio, onde a voz do ser amado chega carregada de todos os tons e semi-tons da delicadeza. Ainda assim, estranho quando um casal prefere trocar mensagens de voz a falar sincronicamente no bom e velho telefonema de casal. Seguindo o argumento do filósofo italiano Giorgio Agamben, os dispositivos de comunicação podem produzir dessubjetivações, argumento que contraria grande parte dos estudos que buscam identificar novas formas de subjetivação nessas novas formas de conversa. 

Isso que se passa no amor também acomete outra paixão, a política. O pathos do debate político – em que pese a inexorável e necessária democratização da informação via redes sociais – é inflamado, e nessa conversa tudo importa: o tom de voz, as argumentações de parte a parte, as interrupções, as pausas, os silêncios, as exasperações. Nada disso é coerente com ambientes como o do Facebook ou do Twitter, onde as polarizações muitas vezes são resultado de dois extremos: ou falta conversa ou há excesso de troca de mensagens, sem que ninguém se entenda.

A intenção dessas reflexões não é nem nostálgica – ah, como era bom quando discutíamos política no bar ou quando namorar à distância era só falar ao telefone – nem é de repúdio aos debates nas redes, o que seria de todo inútil ou vazio. A ideia é pensar que as formas de relação afetivas, assim como as formas de debate político, estão ainda mais marcadas por mecanismos de desentendimento que, embora se apresentem como facilitadores, mas não necessariamente o são, por exigirem dos sujeitos outras habilidades diferentes daquelas que caracterizavam a conversa por voz. Lembro que por muito tempo acreditamos que a voz – como produção de som com sentido – foi aquilo que distinguiu os humanos dos não-humanos. Observo que o vazamento de áudios de conversas telefônicas mobilizam não apenas pelo seu conteúdo, mas pelo poder da voz em transmitir aquilo que vai além do texto. 
Seja no amor intermediado por mensagens de texto, como tão bem discutem os autores de “Romance moderno”, seja na política via internet, como se vê todos os dias em ambientes cada vez mais inflamados por polarizações, há ganhos e perdas. Em tempos de crise de representação, a fala direta dos sujeitos políticos, via redes sociais, tem valor de contestação do modelo de democracia representativa, só capaz de representar a si mesma e a seus interesses particulares. Ao mesmo tempo, como num velho ditado popular, por vezes o Facebook parece aquela “casa em que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”. 

Em tempos de crise nas relações amorosas, a troca de mensagens de texto pode indicar o desengajamento dos sujeitos em suas parcerias afetivas, ou pode simplesmente aumentar a ansiedade envolvida nessas trocas, como também identificam os autores e “Romance moderno”. Se há mais ganhos do que perdas, ou vice-versa, impossível contabilizar. Pensar nas transformações, no entanto, talvez seja uma forma de não se deixar levar ingenuamente pelo que muda. Ou, um modo de resistir a não me tornar muda. 


Carla Rodrigues

Carla Rodrigues é professora de Ética do Departamento de Filosofia da UFRJ. Fez especialização, mestrado e doutorado em Filosofia na PUC-Rio e pós-doutorado no IEL/Unicamp. É coordenadora do laboratório de pesquisa Escritas - filosofia, gênero e psicanálise.

Fonte: BLOG DO IMS

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