março 16, 2016

Arte e Cultura Brasileira. Um Enfoque nas Vivências e Experiências de Hélio Oiticica. Por Arlete Fonseca de Andrade (OBVIOUS)

PICICA: "Na contemporaneidade, os estudos entre arte e ciência vêm obtendo cada vez mais relevância e visibilidade no que tange à produção de pesquisas acadêmicas, publicações em periódicos e edição de livros ressaltando não somente a possibilidade dessa integração, mas também a importante contribuição que oferecem no desenvolvimento em seus temas. Um exemplo e a relação entre as artes visuais e ciências sociais, principalmente à antropologia, a sociologia e a filosofia.

Artistas, críticos, curadores, antropólogos, filósofos, sociólogos se aproximam, criam e compartilham suas bases teóricas no sentido de mostrar que o diálogo e práticas só tendem a enriquecer com esta integração. Esta aproximação se dá a partir do século XX, sinalizando o nascimento de um novo tempo não somente no cenário político e social mundial, mas também na dimensão estética. 

No período moderno (1350 – 1850) a arte era centrada somente na pintura acadêmica e religiosa, com base no modelo historicista. Já na contemporaneidade, buscou-se um novo estilo e experiência não mais com base no visível, mas nas sensações, emoções e funcionalidade. Os movimentos artísticos intensificam-se e, nas primeiras décadas de 1900, novas linguagens, movimentos e técnicas são criados como instalações, performances, objetos, levando em consideração questões culturais, políticas e sociais principalmente após a Segunda Guerra Mundial, rompendo com o academicismo e ultrapassando os limites da moldura, dos costumes e hábitos. Nesse trilhar, a partir dos anos de 1950, a arte contemporânea ganha espaço e legitimidade, supera conceitos tradicionais, abraça espaços alternativos e inclui em seus projetos a participação do público." 


Arte e Cultura Brasileira. Um Enfoque nas Vivências e Experiências de Hélio Oiticica


Na contemporaneidade, os estudos entre arte e ciência vêm obtendo cada vez mais relevância e visibilidade no que tange à produção de pesquisas acadêmicas, publicações em periódicos e edição de livros ressaltando não somente a possibilidade dessa integração, mas também a importante contribuição que oferecem no desenvolvimento em seus temas. Um exemplo e a relação entre as artes visuais e ciências sociais, principalmente à antropologia, a sociologia e a filosofia.

Artistas, críticos, curadores, antropólogos, filósofos, sociólogos se aproximam, criam e compartilham suas bases teóricas no sentido de mostrar que o diálogo e práticas só tendem a enriquecer com esta integração. Esta aproximação se dá a partir do século XX, sinalizando o nascimento de um novo tempo não somente no cenário político e social mundial, mas também na dimensão estética. 

No período moderno (1350 – 1850) a arte era centrada somente na pintura acadêmica e religiosa, com base no modelo historicista. Já na contemporaneidade, buscou-se um novo estilo e experiência não mais com base no visível, mas nas sensações, emoções e funcionalidade. Os movimentos artísticos intensificam-se e, nas primeiras décadas de 1900, novas linguagens, movimentos e técnicas são criados como instalações, performances, objetos, levando em consideração questões culturais, políticas e sociais principalmente após a Segunda Guerra Mundial, rompendo com o academicismo e ultrapassando os limites da moldura, dos costumes e hábitos. Nesse trilhar, a partir dos anos de 1950, a arte contemporânea ganha espaço e legitimidade, supera conceitos tradicionais, abraça espaços alternativos e inclui em seus projetos a participação do público. 

No Brasil, artistas e críticos paulistas e cariocas dão início as suas produções tendo como referencial o concretismo. No Rio de Janeiro, Lygia Pape, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Hélio Oiticica, entre outros, fundam o Grupo Frente e, em São Paulo, Augusto e Haroldo de Campos, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, entre outros, o Grupo Ruptura. Estes artistas deixaram um importante registro na arte contemporânea brasileira e, dentre eles, destaco, Hélio Oiticica, reconhecido até os dias de hoje como um dos mais importantes artistas no cenário nacional e internacional.

A aproximação de Hélio Oiticica com a arte ocorreu na infância quando morou nos EUA junto com sua família. Lá, tinha a disposição várias galerias e museus de arte. Em 1950 retorna com a família para o Rio de Janeiro, e em 1952 começa a escrever e a traduzir peças de teatro que encenava em casa com seus irmãos. Logo após este período, inicia seus estudos de arte com Ivan Serpa, no MAM/RJ com ênfase na livre criação e experimentação e começa a desenvolver sua própria linguagem artística e a incessante busca na superação da noção clássica do objeto de arte como tradicionalmente definido pelas artes plásticas e priorizar a participação do espectador, incluindo-o numa posição de participante, conduzindo-o frente à obra de arte ao “exercício experimental da liberdade” como bem definiu Mário Pedrosa. 

Oiticica aspira à superação da arte conformista, elitista, condicionante, limitada, e propõe uma arte que desloque o espectador do papel contemplativo para o de participante ativo através de experiências que promovam uma volta do sujeito a si mesmo, redescobrindo e libertando-se de seus condicionamentos éticos e estéticos. Em suas obras, percebe-se o diálogo com a cultura popular, a cultura das comunidades dos morros cariocas, ora nas ruas, ora nas exposições em museus e galerias, priorizando a mediação com as estâncias dos poderes simbólicos, políticos e culturais através do experimental, inovador e performático. Seus experimentos, como já dito, explora a integração com o público, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas.

De acordo com Celso Favareto, crítico e pesquisador, a proposta do artista consiste em dois momentos: uma mais visual, que tem início em 1954 na arte concreta e, vai até a formulação dos Bólides, em 1963 e, outra sensorial, que segue até 1980. Isso demonstra que sua produção artística não prioriza somente o lado estético. Ele se inspira no momento social e cultural e nas pessoas “comuns” principalmente os marginalizados, excluídos da sociedade. 

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Para exemplificar essa experiência sensorial, no fim da década de 1960, frequenta a comunidade do Morro da Mangueira, e desta união nascem os Parangolés, que na gíria do morro quer dizer conversa fiada. 

Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como cor, danças, poesia e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva.” Posteriormente a noção de Parangolé é ampliada: “chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui... Parangolé é a antiarte por excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente enfim...” (Oiticica, 1986) 

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Em 1964, começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais e protesta na abertura da mostra Opinião 65, no MAM/RJ, devido o impedimento dos integrantes da escola de samba da Mangueira entrarem no Museu e, acaba sendo expulso. Realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao MAM, e os Parangolés são vestidos por seus amigos sambistas exibindo-os performaticamente. 

As questões levantadas com o Parangolé (1967) desembocam nas Manifestações Ambientais com destaque para as obras Tropicália, 1967, Apocalipopótese, 1968, e Éden 1969. Tropicália foi apresentada na exposição Nova Objetividade Brasileira no MAM/RJ, e foi considerado o apogeu de seu programa ambiental. A obra é “uma espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado”.

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Outro projeto de grande repercussão foi Éden, apresentado em Londres em 1969. Éden é considerado sua maior exposição em vida. Composto de Tendas, Bólides e Parangolés para vivências individuais e coletivas do público visitante. Com essa espécie de proposta utópica de vida em comunidade, surge a proposição Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer não repressivo e à valorização do ócio.

A proposição do Crelazer absorve ideias do Suprassensorial e do Projeto, incorporando-as numa concepção de vida-arte: atividade não-repressiva em que arte e mesmo antiarte nada significam (“são como sarampo ou catapora; tem-se uma vez só e se esquece, pois é preciso viver”). Importa “viver o crelazer”.(Favareto, 1992).

A ideia de Crelazer começa a tomar corpo em 1967 com a “Cama-Bólide”, uma cabine onde as pessoas deitam, experimentam sensações e recobram modos de viver, de “estar” no mundo; estende-se no Éden – projeto montado na Whitechapel Gallery, Londres (fevereiro-abril 1969), que reúne todas as experiências desde o neoconcretismo – e propõe o Barracão, ambiente comunitário que Oiticica caracterizou de Éden como “um campus experimental, uma espécie de taba, onde todas as experiências humanas são permitidas – humano enquanto possibilidade da espécie humana. É uma espécie de lugar mítico para as sensações para as ações, para a feitura de coisas e construção do cosmo interior de cada um – por isso, proposições “abertas” são dadas e até mesmo materiais brutos e crus para “fazer coisas” que o participador será capaz de realizar” (Favaretto, 1992). 

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Apesar de Oiticica não ser um artista que se debruçou na arte de protesto político, seu engajamento torna-se algo muito mais amplo. Sua veia anarquista, herança de seu avô, José Oiticica, tornam seus ideais um estado lírico e utópico. Vai além dos padrões, do determinismo de uma cultura estética estéril sob a dominação das elites, do Estado, e que nos faz acreditar em seus interesses de bom e ruim, feio e belo. Sua vida, ideias, obras, projetos se misturam. Estão em simbiose, para além da arte. Supera o modelo tradicional da estética que emoldura arte e vida e a liberta através do diálogo com o mundo sensorial dos indivíduos, rompendo barreiras sociais. Os Parangolés e os Penetráveis têm como proposta exatamente essa dimensão, que é abandonar a distância que até então existia entre a arte e expectador. Como se pode notar, os projetos de Hélio Oiticica nos levam a reflexão sobre nossa formação histórica e cultural, e perceber que a tensão entre classes e o acesso às instâncias artísticas e culturais se faz muito presente em nossa sociedade. 

Paralelo ao enfoque sobre arte e cultura dado por Hélio Oiticica incluo na discussão dois pensadores para dar embasamento no assunto. São eles: Pierre Bourdieu e Mikhail Bakhtin. 

Sobre o acesso ao campo da arte e cultura por diferentes classes sociais, Pierre Bourdieu (França, 1/08/1930 - 23/01/2002) dirá que o modelo tradicional, hierarquizante que a sociedade ocidental foi calcada, distância as pessoas e as condiciona em classes de divisão desigual entre grupos ou indivíduos a partir das relações de bens materiais e/ou econômicos, e de bens simbólicos, status e/ou culturais. A distribuição desigual de recursos e poderes e consequentemente de privilégios, são voltados para os que pertencem a específicos grupos dentro da estrutura social hegemônica, conforme enfatiza Bourdieu. Assim, a posição de privilégios ou ausência dele dá-se a partir do volume de capitais que ele possui - nas dimensões material, simbólica e cultural - que adquiriu e incorporou ao longo de sua trajetória histórica e social. 

Bourdieu aponta também a desigualdade social que o sistema de escolarização promove desde cedo, cobrando de todos os indivíduos conhecimento e acesso a uma cultura obtida somente no núcleo familiar das classes privilegiadas antes da escolarização, desconsiderando aqueles que pertencem ao segmento popular. Ao invés da escolarização promover o acesso ao ensino de forma democrática, ela acaba reforçando as diferenças e distinções existentes entre aqueles que possuem capital cultural daqueles que não tem. 

No Brasil esta questão é muito presente até hoje. Pode-se evidenciar a desigualdade de classes através do acesso à educação. Enquanto na rede pública de ensino faltam recursos e investimentos do Estado, a rede privada prima pela formação e inserção dos alunos no mercado de trabalho que repercuti numa competição e cobrança desigual entre estes dois grupos. A essa cobrança social Pierre Bourdieu denominou de violência simbólica, pois impõe a todos uma única forma de cultura, um gosto legitimado, menosprezando outras formas, segmentos e classes. A violência simbólica tem suas ramificações no gosto cultural, que resulta da diferença entre os indivíduos e, classifica o que é de bom ou mau gosto, hierarquizando assim o campo da cultura. 

Os estudos culturais de Pierre Bourdieu são importantes para compreender as contradições e tensões existentes entre cultura popular e cultura erudita e a relação de dominação e de subordinação entre elas. 

Já para Mikhail Bakhtin (Rússia, 17/11/1895 – 06/03/1975) os estudos culturais estão relacionados à cultura popular que para ele é uma concepção de mundo baseada na vida cotidiana e, só adquire sentido nas manifestações e tradições populares e não no conceito de civilização e da arte cristalizada. A Cultura não é homogênea, assim como os povos também não o são. É mais do que isso; é um modo de vida, porém não idêntico a ela. São atitudes, valores e formas simbólicas compartilhadas. 

O filósofo aborda o caráter polifônico em que o diálogo nunca se conclui, porque há diversas linguagens interagindo e absorvendo diversas características de cada povo, sua cultura, signos e significados que para alguns pensadores é denominado de hibridismo cultural ou multiculturalismo. 

A origem e o sentido da realidade como cultura para Bakhtin estão nas relações dos homens com a natureza que se dá pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem. Assim, constrói sua teoria de cultura a partir da teoria literária, em que ressalta as mais diversas manifestações sociais, das tradições eruditas a festas populares que aconteciam nas ruas e praças públicas desde o período da Idade Média e no Renascimento na Europa. 

Os estudos culturais para Bourdieu, como para Bakhtin, trazem elementos que Hélio Oiticica demonstrou em seus projetos artísticos. O fato de ele reconhecer que muitos espaços culturais são voltados para uma elite, abolir a arte figurativa, contemplativa, e criar uma arte que interaja com todos, como foi o projeto Éden, propondo a quebra das instâncias simbólicas de violência, estabelecendo um diálogo polifônico, enfatizando o modo de ser e viver de grupos e indivíduos e não suas diferenças. 

Seu trabalho traz a tona uma reflexão sobre os caminhos e descaminhos de nossa sociedade. Uma arte a partir das experiências artísticas, vivenciais, centradas no corpo e na “ação comportamental como uma força criativa” (Oiticica, 1969) 

Bibliografia:

Bakhtin, Mikhail: Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, ed. Hucitec. 1999; Bourdieu, Pierre: O Amor Pela Arte, ed. Edusp. 2003; Bourdieu, Pierre: O Poder Simbólico, ed. Perspectiva. 1989; Braga, Paula: Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica, ed. Perspectiva. 2011; Enciclopédia Itaú Cultural artes visuais; Favareto, Celso: A invenção de Hélio Oiticica, ed. Edusp. 1992; Jacques, B. Paola: Estética da Ginga, ed. Casa da Palavra. 2011; Oiticica, Hélio: Aspiro ao grande labirinto, ed. Rocco. 1986; Oiticica, H. The Senses Pointing Towards a New Transformation. (22/12/1969). Programa HO. #tombo 0486/69; Setton, M. G. Jacintho: A Produção da Crença, ed. Zouk. 2002.



Arlete Fonseca de Andrade

Paulistana, vegetariana, tem formação em ciências humanas e sociais e é apaixonada por animais e artes visuais. Desde 2009 participa de cursos, curadoria, exposições e escreve artigos de arte..

Fonte: OBVIOUS

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