março 26, 2016

E quem controla o Judiciário? Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular (BRASI EM 5)

PICICA: "Na atual conjuntura brasileira em que o Poder Judiciário vem assumindo um protagonismo cada vez maior no desenrolar do conflito político, algumas perguntas se colocam: quem é esse Judiciário, qual a sua cara e quais são os seus valores? A partir da nossa experiência enquanto advogadxs populares, afirmamos que o judiciário brasileiro é elitista, defensor da propriedade privada, racista, refratário às pautas feministas e corporativista. De acordo com um censo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, a magistratura nacional é composta majoritariamente por homens brancos, e negras e negros não chegam a 2% em todo o conjunto. Sua condição de elite econômica é evidente: juízes brasileiros recebem remuneração mensal média de R$ 41.802,00 (entre os mais altos salários no ranking mundial) e gozam dos maiores privilégios do país. E, para além de tudo isso, o Poder Judiciário não é submetido a qualquer controle social, sendo que os magistrados, quando fiscalizados, submetem-se à averiguação realizada por seus próprios pares."


E quem controla o Judiciário?

Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular[i]


Na atual conjuntura brasileira em que o Poder Judiciário vem assumindo um protagonismo cada vez maior no desenrolar do conflito político, algumas perguntas se colocam: quem é esse Judiciário, qual a sua cara e quais são os seus valores? A partir da nossa experiência enquanto advogadxs populares, afirmamos que o judiciário brasileiro é elitista, defensor da propriedade privada, racista, refratário às pautas feministas e corporativista. De acordo com um censo recente realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, a magistratura nacional é composta majoritariamente por homens brancos, e negras e negros não chegam a 2% em todo o conjunto. Sua condição de elite econômica é evidente: juízes brasileiros recebem remuneração mensal média de R$ 41.802,00 (entre os mais altos salários no ranking mundial) e gozam dos maiores privilégios do país. E, para além de tudo isso, o Poder Judiciário não é submetido a qualquer controle social, sendo que os magistrados, quando fiscalizados, submetem-se à averiguação realizada por seus próprios pares.

Tanto o Legislativo quanto o Executivo, reconhecidos todos os problemas do nosso sistema político, passam ao menos pelo crivo das eleições diretas e periódicas – extremamente limitadas, haja visto o financiamento privado de campanha e a concentração do poder midiático –  e, assim, se submetem a algum (mínimo) controle popular, além de serem também fiscalizados, em diferentes modalidades, pelo próprio Judiciário. Porém, quem controla o Poder Judiciário?

A resposta é que não há controle. Ele está descontrolado. De um lado, o Conselho Nacional de Justiça, órgão incumbido do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, é composto por membros cujo perfil coincide com o dos magistrados brasileiros. Por outro lado, as Corregedorias de Justiça são compostas pelos próprios juízes, guiando-se, como é de se esperar, pelo corporativismo institucional.

Aos que afirmam que o Judiciário é um poder livre e calcado na legalidade e imparcialidade – como se isso esvaziasse a necessidade de seu controle democrático – rebatemos, com a nossa experiência, que o Judiciário não é técnico nem neutro, mas é político e orientado por uma ideologia mantenedora de privilégios, inclusive por coincidirem com os seus próprios. Assistimos nesses últimos dias a um Judiciário cheio de si, protegido pelo manto da imparcialidade, que tira selfie em protesto a favor do impeachment, divulga nas redes sociais, e dias depois decide “imparcialmente” ação que discute atos da mesma Presidenta que ele, declaradamente, quer afastada do poder. Ou outro membro da corporação, que reconhece a ilegalidade da interceptação telefônica que ele próprio vazou para os meios de comunicação, mas diz que há precedente em Watergate! Ou que manipula e joga com os procedimentos de um inquérito policial (lembrando que não há ação criminal contra ex-Presidentes ou a Presidenta em exercício) para torná-lo um espetáculo midiático. Um Judiciário que assume, abertamente, que tem lado e assim se torna, como na Idade Média, ao mesmo tempo, inquisidor e julgador, ao arrepio das leis e da Constituição.

O fato é que, para nós, advogadxs populares que atuamos em defesa dos direitos humanos, de ocupações urbanas, povos e comunidades tradicionais, populações organizadas contra a mineração, população em situação de rua, trabalhadorxs exploradxs por grandes empresas, ações judiciais que seguem a mesma lógica das citadas acima não são exceção, mas a regra. É esse o nosso cotidiano: lidar com um Judiciário que segue legitimando a exploração e subordinação dos grupos subalternos em defesa da manutenção do status quo que o produz e mantém.

Assistimos, todos os dias, à recorrente (e intransigente) defesa da propriedade privada que não cumpre sua função social, em detrimento do direito constitucional à moradia dos moradores de ocupações urbanas. Presenciamos, muitas vezes de mãos atadas, ao encarceramento e tortura dos jovens negros e pobres sem qualquer observância das mínimas garantias constitucionais. Testemunhamos o impedimento de que o povo trabalhador entre nos edifícios de tribunais por não estar vestido adequadamente. E somos desrespeitadxs publicamente por sermos defensorxs de “invasores”, “baderneiros”, gente de “segunda categoria” para um Judiciário classista que seleciona quem são, de fato, os “sujeitos de direito”.

Por outro lado, a leniência e condescendência do Judiciário com os grandes é também grande: não se investiga o helicóptero cheio de cocaína do Zezé Perrela; Aécio Neves até hoje não foi intimado a depor, apesar das inúmeras menções a seu nome em diversas delações; as privatarias do FHC nunca foram investigadas, assim como o pagamento de mesada por empresa concessionária de free shops a sua ex-amante; os abusos da mídia, com destaque para a Rede Globo, acontecem à revelia do cumprimento da regulamentação constitucional dos meios de comunicação.

A conjuntura atual escancara o teor político e altamente seletivo de manobras convenientes ao Judiciário, que enfrentamos todos os dias, mas que ora tomam como alvo os integrantes de um único partido político, com o fim explícito de não apenas arrancá-lo do poder, mas destruí-lo, bem como a seus principais dirigentes. A lei é retórica, os argumentos são interpretações tendenciosas e o Judiciário passa longe de ser nossa corte máxima de imparcialidade, técnica e justiça. Por isso, denunciamos o golpe que está em curso no Brasil e nos recusamos a compactuar com um judiciário que legitima e, em grande medida, orquestra e conduz esse golpe. De igual modo, repudiamos a postura assumida pelo Conselho Federal da OAB que fechou os olhos para as graves violações ao texto constitucional quando deveria defendê-lo.

Para onde esse Judiciário vai nos levar, sob as vestes de grande herói da limpeza de ilegalidades? Não esperaremos sentadxs por respostas, mas estaremos nas ruas defendendo o estado democrático de direito que cotidianamente construímos junto ao povo que luta pela transformação social deste país.

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[i] O Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular é nasceu em 2012,  em Belo Horizonte/MG, com objetivo de prestar assessoria jurídica popular a movimentos sociais, ocupações urbanas, comunidades tradicionais, atingidxs por mineradoras e grandes empreendimentos, coletivos organizados, dentre vários outros grupos que politizam as relações sociais no campo e na cidade. Realizando um trabalho voltado para a defesa e efetivação dos Direitos Humanos que não se limita ao acesso ao poder judiciário, o Coletivo estende sua atuação para a educação popular e a formação jurídica e política das comunidades e grupos assistidos, com quem trabalha em relações de solidariedade e parceria.

Fonte: BRASIL EM 5

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