março 17, 2016

Fim da Nova República? Por Carlos Eduardo Martins (BLOG DA BOITEMPO)

PICICA: "Crise da hegemonia petista, golpe de Estado e soberania popular no capitalismo brasileiro" 


Fim da Nova República?

Crise da hegemonia petista, golpe de Estado e soberania popular no capitalismo brasileiro


fim da nova republica 


O DRAMA POLÍTICO BRASILEIRO

A ofensiva contra o governo Dilma e a principal liderança petista, Luiz Inácio Lula da Silva, parece encerrar um ciclo iniciado no Brasil a partir da abertura em 1979, que condicionou o processo político no país a avanços democráticos, lentos, graduais e seguros para as classes dominantes, responsáveis pelo Golpe de 1964 e por seu modelo econômico.

A Nova República que se estabeleceu desde 1985, com a eleição de Tancredo Neves e posse de Jose Sarney, configurou-se essencialmente numa obra de hegemonia política das classes dominantes que articulou a preservação e o aprofundamento dos seus interesses com a pressão crescente das massas por participação política e inclusão social. Para isso, aceitou gradativamente a gestão política do Estado brasileiro para o centro ou à esquerda ao mesmo tempo em que manteve o controle sobre o poder econômico, criando nesta simbiose um processo de circulação das elites e de ascensão de novos segmentos sociais aos seus quadros. À emergência do PMDB em substituição ao PDS, maculada pela presença de Sarney, seguiu-se a renúncia e impeachment de Fernando Collor e a transição, já no governo Itamar, para a ascensão do PSDB, dirigida pela elite intelectual pequeno-burguesa paulista que, apesar de reivindicar o espírito de autenticidade do velho MDB e uma concepção socialdemocrata, criava um novo bloco de poder, de caráter neoliberal, que refundava o modelo de dependência do país, associando-o à reestruturação da hegemonia estadunidense e aos principais grupos financeiros, agrícolas e industriais do país. A crise econômica, política e ideológica deste bloco abriu o espaço para chegada ao governo brasileiro do PT, que não alterou substancialmente as bases do novo modelo de dependência, ainda que tenha introduzido modificações e adaptações no seu funcionamento para atender a alguns compromissos sociais mínimos.

Durante este processo de exercício de hegemonia econômica e ideológica que mantém a democracia dentro de marcos relativamente seguros à burguesia nacional e ao grande capital internacional, estes último ficarão na defensiva em vários momentos, sendo obrigados a fazer uma série de concessões que limitam o exercício de seu poder econômico, ainda que busquem arranjos políticos para neutralizá-las, ou eliminá-las, restaurando parcialmente ou totalmente seu protagonismo. São exemplos destas concessões os direitos sociais, a definição do caráter social da propriedade social, a definição de empresa nacional e as limitações das taxas de juros reais da Constituição de 1988, bem como a emergência de atores ligados aos movimentos sociais e a classes trabalhadoras à condição de gestores do capitalismo brasileiro nos quatro mandatos conquistados pelo PT na Presidência da República. Durante este período, gesta-se um novo bloco de poder que se articula com frações importantes do empresariado brasileiro sem conquistar a preferência política do conjunto do grande capital nacional e internacional e da pequena-burguesia.

A tolerância aos governos petistas por parte do conjunto da classe dominante se explica por um conjunto de fatores:
  1. a profunda crise de legitimidade nacional dos diversos grupos políticos burgueses, cujas principais forças são o PFL/DEM, o PMDB e o PSDB;
  2. o perfil centrista assumido pelos governos petistas, desde a “Carta aos brasileiros” na campanha de 2002, buscando atender ao interesse de diversos grupos sociais, principalmente os do extremo superior e os do extremo inferior da pirâmide social, que reúnem, respectivamente, o capital financeiro, o grande capital industrial, o agronegócio, o empresariado da construção civil e da educação, de um lado, e a população em situação de extrema pobreza, de outro;
  3. a conjuntura internacional extremamente favorável que impulsionou a balança comercial brasileira através do agudo incremento dos preços das commodities entre 2003-2011, elevando a taxa de lucro do setor exportador, estimulando o crescimento econômico e a arrecadação do governo federal para implementar políticas sociais.
Todavia, a emergência da crise econômica, a partir de 2012, leva as classes dominantes e o grande capital internacional a conspirar contra o projeto centrista impulsionado pelos governos petistas para mudar o padrão regulatório do capitalismo brasileiro, abrindo novas fontes de investimento que afetem a soberania nacional e restrinjam o consumo popular, reforçando a superexploração do trabalho, em parte limitada pelas políticas de elevação do salário mínimo. A incapacidade que o governo Dilma e as principais lideranças petistas estão demonstrando para responder à quebra do pacto liberal e democrático que constituiu a Nova República e a retomada de iniciativas políticas fascistas e de violação da soberania popular, por parte do grande capital nacional e internacional, constitui o grande drama da situação política brasileira presente. Para entender esta incapacidade aparentemente surpreendente, temos que inseri-la no bojo do paradigma de esquerda trazido pelo PT e na sua evolução histórica na conjuntura nacional.

O PARADIGMA DE ESQUERDA DO PT

O Partido dos Trabalhadores surgiu de um conjunto de fatores: da organização sindical que se estabeleceu com a forte modernização industrial dos anos 1970, nos marcos do capitalismo associado e dependente, da sua articulação com a esquerda católica, com integrantes das organizações políticas que lutaram contra o Golpe, pela via institucional ou armada, e com setores do movimento estudantil. Esta articulação foi fortemente impulsionada pelo espaço aberto com a brutal repressão ao trabalhismo e seu legado principal alvo do golpe de 1964 e da ditadura. Esta negou a Brizola a recuperação da legenda histórica do PTB, entregando-a a seus velhos adversários, oriundos da UDN e do PSD, e estimulou a criação de um novo partido para dividir a classe trabalhadora e bloquear a rearticulação do trabalhismo em São Paulo, onde Jango Goulart alcançou cerca de 30% dos votos na eleição para vice-presidente em 1960.

O PT se colocou em sua fundação como o partido que representava autenticamente a classe operária, priorizando a autonomia dos movimentos populares diante do Estado e a democracia ao nacionalismo e socialismo. O socialismo seria o futuro distante de uma longa acumulação de lutas democráticas que se daria pela combinação entre a via representativa e institucional, a auto-organização dos trabalhadores e a educação das massas. Constituído nas lutas contra a ditadura militar, o PT descartava soluções de cúpula e propunha-se à construção de um socialismo democrático, de baixo para cima, a partir do grau de auto-organização dos trabalhadores e educação política das massas, que condicionaria os limites e o alcance do programa estratégico de governo. Opunha-se à concepção de vanguarda oriunda do marxismo-leninismo e lançava mão do conceito de populismo, cunhado por seu ex-secretário Geral, Francisco Weffort, para criticar lideranças políticas verticalizadas, carismáticas e propositivas que, oriundas de frações burguesas ou pequeno-burguesas, supostamente subordinariam os trabalhadores e suas organizações sociais a um projeto nacional-popular de capitalismo de Estado nacional, lhes retirando o protagonismo e autonomia. O PT afirmou-se assim contra a tradição trabalhista e comunista e Lula se tornou o principal emblema da nova proposta de partido: a personalidade e a liderança operária, síntese entre a cúpula e a base, que garantiria o vínculo com a auto-organização da classe trabalhadora e dos movimentos populares. À medida que o partido crescia, ampliava o seu aparato institucional parlamentar e governamental, as suas alianças e incorporava outras frações de classe em seu interior. O partido se expandiu em várias direções articulando-se com movimentos sociais organizados como o MST, sindicatos rurais como o dos seringueiros, mas também com o proletariado de serviços, setores médios e parcelas importantes da pequena burguesia.

A recessão de 1991-92, a abertura da economia brasileira e os programas neoliberais dos governos Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso afetaram significativamente a capacidade de organização dos trabalhadores e a base social do PT. Debilitaram significativamente o operariado industrial do ABC paulista, um dos seus mais importantes segmentos, ao ampliar o desemprego e a desindustrialização, o que reduziu drasticamente o número, as reivindicações e a intensidade das greves em relação à segunda metade da década de 1980. A redução na capacidade de organização sindical das massas e as derrotas eleitorais de 1994 e 1998 levaram a uma forte revisão nos programas de governo e seus compromissos. O Programa de 1994 estabeleceu uma importante inflexão ao mencionar que a participação popular seria o resultado da auto-organização da sociedade, e não mais da organização independente dos trabalhadores reivindicada nos anos 1980, e a “Carta aos brasileiros”, de 2002, transportava este conceito para o contexto do fim do governo Fernando Henrique Cardoso, reivindicando, em razão da crise econômica, a necessidade de iniciar uma transição, sem passes de mágica e gestos unilaterais do governo, para um novo modelo, que não se especificava. Esta seria uma transição moderada e pactuada, fundada no diálogo com todos os setores da sociedade.

Tratava-se de respeitar contratos e obrigações do país, fazer superávits primários para controlar a dívida pública, condicionar a queda dos juros à redução da vulnerabilidade externa, promover o agronegócio para estimular as exportações e preservar a estabilidade monetária. Em 14 anos de governos petistas, a dívida pública bruta não caiu de patamar; a relação juros/PIB nunca foi menor que 5% do PIB, mesmo reduzindo-se significativamente a vulnerabilidade externa; o agronegócio e o latifúndio ampliaram seu espaço no campo brasileiro; a disciplina fiscal conteve os salários do funcionalismo público e estendeu a este a reforma da previdência; as políticas sociais focalizaram-se em programas específicos como o “Bolsa-família” e o “Minha casa, minha vida”, que representaram gastos públicos de 7 a 10 vezes inferiores aos pagamentos de juros; e a política externa se, por um lado, diversificou o comércio e as articulações geopolíticas brasileiras, de outro, não avançou na construção de uma arquitetura financeira sul-americana, acomodando-se à falta de iniciativa do Congresso Nacional para ratificar a aprovação do Banco do Sul.

Entre 1994 e 2002, operou-se uma evolução do basismo petista, que rechaça o protagonismo da vanguarda, uma vez que os processos sócio-políticos devem vir essencialmente de baixo para cima e serem sintetizados no governo, no parlamento e no partido. Ao passar a definir a participação popular como resultado da auto-organização da sociedade e não de trabalhadores e setores populares, os governos petistas incluíram em sua base a burguesia dependente e associada e passaram a vincular-se privilegiadamente a esta, diante da retração do movimento sindical provocada pela ofensiva neoliberal sobre a indústria brasileira e sobre o gasto público nos anos 1990. Os governos petistas propuseram-se então a ser os articuladores de um consenso social que preservasse as posições relativas das distintas frações de classe, através de políticas centristas, distribuindo ganhos proporcionais numa conjuntura internacional extremamente favorável e de crescimento econômico interno. Ao descartarem o papel das vanguardas, em nome da crítica ao populismo, não perceberam a inflexão da conjuntura política que abriu a oportunidade para amplas mobilizações de massa, em função do rechaço da população brasileira à experiência neoliberal, como acontecia no conjunto da América do Sul. Quando a “Carta aos brasileiros” foi publicada, Lula já liderava as intenções de voto e continuava a subir nas pesquisas. O seu objetivo foi muito mais o de propor um pacto de governabilidade com o grande capital, do que garantir a vitória de Lula através do apoio do capital financeiro e do o agronegócio, papel que equivocadamente alguns analistas lhe atribuíram

Ao reafirmar este tipo de liderança política e comprometê-la com as estruturas do capitalismo dependente neoliberal, o PT jamais pôde avançar na transição a outro modelo de acumulação, nem politizar e elevar o nível de consciência das massas, como na Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina. Lideranças propositivas, vanguardistas e revolucionárias como a de um Hugo Chávez, jamais teriam espaço protagônico dentro do padrão de política petista. Não houve aposta na mobilização de massas, apesar do enorme potencial que proporcionava a conjuntura e questões como o enfrentamento ao monopólio dos meios de comunicação jamais foram incorporadas seriamente pelo estilo liberal e gradualista de governo petista. A Telesur permanece fora do campo de comunicação de massa do povo brasileiro, que é privado do acesso a uma fonte importante de produção cultural latinoamericana e do jornalismo crítico de esquerda. Tampouco temas como a liberação do aborto, a legalização da união homoafetiva e do consumo de drogas de menor potencial ofensivo – todos de enorme impacto para as mulheres, os homossexuais e a juventude – que inclusive foram objeto de campanha e mobilização de massas por parte dos governos Lula e Dilma, mas que foram postos em segundo plano em detrimento da aliança estratégica com setores evangélicos.

CRISE DO CENTRISMO E A OFENSIVA CONSERVADORA

A crise econômica que se abate sobre a economia brasileira a partir de 2013 gera uma crise do centrismo político e possui três determinantes que se articulam de forma combinada:
  1. a inversão cíclica do período de boom das commodities;
  2. a reação da burguesia à expansão do mercado interno para os setores populares, em função da valorização do salário mínimo e seus efeitos em cadeia sobre os custos de produção;
  3. as políticas monetárias, fiscais e cambiais pró-cíclicas, e seus efeitos sobre a dívida pública, a taxa de lucro e o investimento.
A crise do centrismo abriu o espaço para a burguesia brasileira romper com a política de compartilhamento do poder e se livrar da transferência da gestão do seu modelo de acumulação a setores oriundos das esquerdas. Entretanto, para que isso ocorresse foi necessária a drástica queda de popularidade do governo Dilma, que auferia de popularidade de 70%, em maio de 2013. As Jornadas de Junho de 2013 – quando multidões, em especial a juventude, saem às ruas, de forma anárquica e difusa, para reivindicar direitos sociais formalmente consignados na carta de 1988 – atingem em cheio a popularidade da Presidenta, que cai para 30% naquele mês. Elas abrem uma forte crise no liberalismo e indicam a disposição de setores de baixa renda e dos setores médios para participar de processos insurrecionais, faltando-lhes para isso delimitar qual o inimigo a ser combatido, o que sua heterogeneidade e desorganização não permitia fazer.

A incapacidade de o governo Dilma utilizar a energia das Jornadas de Junho para reformular o projeto de poder petista, dando início à prometida transição de modelo econômico anunciada em 2002, aproximando-o da classe trabalhadora e das organizações populares, possibilitou que o grande capital tomasse a dianteira. Este vai indicar para a sua base de massas, formada principalmente por setores médios, através do discurso de sua vanguarda organizacional – constituída por estruturas de poder verticalizadas, como as empresas de comunicação de massa, em particular a Rede Globo, associações empresariais como a FIESP e igrejas evangélicas – o inimigo a ser batido: as lideranças do Partido dos Trabalhadores, que agiriam como uma facção criminosa, organizando um processo sistêmico de corrupção no Estado brasileiro para se perpetuar no poder e proporcionar enriquecimento pessoal.

O grande capital ainda preferia uma solução eleitoral para o problema do poder em 2014, mas a repolitização do discurso de Dilma, como candidata, em função da atuação da militância de esquerda e dos estudantes nas redes sociais lhe garantiu margem apertada de vitória nas eleições de 2014. Entretanto, a candidata que fazia um discurso desenvolvimentista, atacando a política de altos juros proposta pelo capital financeiro para combater o recrudescimento da inflação, a rigor não tomou posse. Antes de expirar seu mandato anterior, logo após as eleições iniciou uma nova onda de elevação das taxas de juros e tentou nomear Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, como Ministro da Fazenda do novo governo – frustrando-se com sua recusa, mas aceitando a sua indicação de Joaquim Levy. Ao mesmo tempo nomeou para o Ministério da Agricultura, Katia Abreu, vinculada organicamente ao agronegócio.

Eleita, Dilma escolheu aceitar pressões do capital financeiro e de seu bloco histórico, como se isto lhe garantisse sua governabilidade. Pelo contrário, ao adotar o programa rejeitado pela maioria da população, durante as eleições de 2014, elevando juros e cortando verbas para educação, saúde e programas sociais, perdeu sensivelmente popularidade, caindo a 8% desde os 52% que havia alcançado ao fim das eleições. Se o PT havia incluído estruturalmente o capital financeiro na sua base de apoio, a reciproca não era verdadeira: a conversão do PT em braço político do grande capital nacional e estrangeiro era provisória. A perda de popularidade da Presidenta abriu espaço para uma ofensiva fascista organizada pelos meios de comunicação e pelas lideranças do PSDB e do bloco liberal-conservador sob articulação de Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves. Tratava-se de realizar um golpe civil, sem militares, como havia sido implementado no Paraguai, durante a queda de Lugo, ou em Honduras, durante a queda de Zelaya.

FIM DA NOVA REPÚBLICA

As razões para o golpe são várias:
  1. impedir o fortalecimento dos movimentos sociais e o eventual giro à esquerda, no futuro, de um governo petista, mobilizado em torno do carisma de Lula e da recuperação do crescimento da economia;
  2. realizar uma nova ofensiva neoliberal sobre a economia brasileira, realinhando-a aos padrões clássicos do capitalismo dependente, o que implica nova onda de privatizações, alienar recursos estratégicos, eliminar direitos sociais e retomar com vigor o dinamismo da superexploração do trabalho contra as políticas de elevação do salário mínimo, de renda mínima e de aumento do poder de compra da população de baixa renda;
  3. Realinhar geopoliticamente o país à liderança dos Estados Unidos, limitar o alcance da integração do país aos BRICS e sua arquitetura financeira, reduzir a influência de China e Rússia na região e a do BRICS na política internacional, retomar uma política externa subimperialista e isolar as experiências populares de capitalismo de Estado na América do Sul.
A direita tem se atrapalhado no que diz respeito à forma do golpe, temendo uma reação popular. Para isso tem usado no Parlamento a agressividade de um aventureiro, oportunista e corrupto como Eduardo Cunha, e a mobilização das camadas médias por meio do irracionalismo de campanhas sensacionalistas que se valem da parceria de grandes meios de comunicação com setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário, que extrapolam suas competências legais, fazendo uso político de suas atribuições e violando direitos individuais.

Entretanto, vão se estabelecendo alguns consensos preliminares. Trata-se de não apenas cassar os direitos de Dilma, ou de Lula, impedindo a sua candidatura em 2018, mas de golpear a soberania popular. Surge a proposta, a ser avalizada pelo STF, de substituir por PEC, sem consulta popular, o regime presidencialista pelo parlamentarista, deslocando o poder de gestão do Estado brasileiro para o Congresso Nacional, onde a esquerda nunca teve protagonismo na história brasileira, e onde, na atual legislatura, 70% dos deputados tiveram suas campanhas financiadas por 10 empresas, várias delas com envolvimento nos delitos que investiga a Operação Lava-Jato. Em torno desta proposta podem surgir variações que contemplem duas necessidades: reduzir os custos políticos do golpe e dar a ele credibilidade. Para atender à primeira necessidade, uma possibilidade que não pode ser descartada é a construção um consenso com o PT, em torno do apoio ao parlamentarismo, com ou sem consulta popular, em troca da preservação de mandatos e direitos políticos. Entretanto a capacidade de coordenar esta alternativa é limitada pela incerteza sobre a garantia de compromissos recíprocos e pela profunda violação às tradições basistas do PT. Outra alternativa é que junto à cassação dos direitos políticos de Lula e Dilma, se agreguem algumas figuras de maior calibre da oposição, atingidas por delações premiadas, para dar de imparcialidade política. Novamente a capacidade de coordenar esta alternativa é limitada e em função do risco de contágio anárquico e desagregador.

A violação da soberania popular, se efetivada, marcaria o fim da Nova República. Qualquer capacidade do Governo Dilma impedir a ameaça de golpe está vinculada à retomada de sua popularidade, o que requer mudar a política econômica de recessiva para desenvolvimentista, enfrentar o protagonismo do capital financeiro sobre o Estado, baixar radicalmente as taxas de juros, impulsionar a economia através de um conjunto de investimentos públicos em saúde, educação, habitação, transporte e infraestrutura e chamar à mobilização popular sobre temas chaves como reforma política, democratização dos meios de comunicações, fortalecimento da educação pública. O documento publicado na Fundação Perseu Abramo, sob a coordenação de Marcio Pochmann, Por um Brasil justo e democrático, aponta para várias destas direções. A ida de Lula para o ministério pode ser talvez a última oportunidade para esta virada.

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PARA APROFUNDAR A REFLEXÃO… 5 DICAS DE LEITURA DA BOITEMPO

1. Ditadura: o que resta da Transição?
organizado por Milton Pinheiro

2. Equador: da noite neoliberal à revolução cidadã
de Rafael Correa

3. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa
de Antonio Carlos Mazzeo

4. Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira
organizado por Chico de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek

5. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina
de Carlos Eduardo Martins

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Carlos Eduardo Martins é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Programa de Estudos sobre Economia Política Internacional (UFRJ), coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ), coordenador do Grupo de Integração e União Sul-Americana do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). É autor de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.

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