março 22, 2016

O golpe da falácia. Por Renan Porto (UNINÔMADE)

PICICA: "Existe neste caso uma indignação seletiva por parte dos militantes a favor do governo. De fato Lula é hoje um símbolo envolto numa grande carga afetiva por causa da sua história de vida como um operário que chegou à presidência e pelas políticas sociais do seu governo, que tiveram grande impacto na transformação das vidas de muitas pessoas. No jogo maniqueísta que temos vivido nessa política bipolarizada, Lula é o herói popular resistindo à ameaça da volta de um governo da direita. Mesmo que ele nunca tenha mexido nos privilégios dos bancos, das empresas multinacionais e do agronegócio." 

O golpe da falácia

Por Renan Porto, UniNômade



Junho2013


A condução coercitiva do Lula causou muita polêmica e controvérsias sobre a legitimidade jurídica do ato. O debate intensificou a falsa polarização que está dominando e mitigando nossa política, já que nos dois lados desse jogo quem sai perdendo é a sociedade. Dos dois lados se produz um consenso que busca abafar qualquer alternativa. Grande parcela da esquerda está intensamente envolvida com a defesa do Lula em detrimento das pautas sociais. Tudo em nome da democracia. Porém, no Brasil o autoritarismo policial é praticado cotidianamente contra as pessoas mais pobres que vivem nas periferias. Principalmente nas favelas o poder militar é muito presente e homicídios causados por policiais militares acontecem constantemente. Segundo o relatório da Anistia Internacional publicado em 2015[1], “em um período de dez anos (2005-2014), foram registrados 8.466 casos de homicídio decorrente de intervenção policial no estado do Rio de Janeiro; 5.132 casos apenas na capital. Apesar da tendência de queda observada a partir de 2011, um aumento de quase 39,4% foi verificado entre 2013 e 2014. O número de pessoas mortas pela Polícia representa parcela significativa do total de homicídios. Em 2014, por exemplo, os homicídios praticados por policiais em serviço corresponderam a 15,6% do número total de homicídios na cidade do Rio de Janeiro”.

Esse tipo de violência policial é também presente em muitos outros estados do Brasil, sendo que mais de 80% das vítimas são pessoas negras. Ainda existe por aqui uma triste herança colonial e escravagista em que a população negra é a que mais sofre. Além disso, muitos devem saber que um homem rico e influente como o Lula não permaneceria muito tempo na prisão. Por outro lado, o sistema penitenciário brasileiro, que já chega a uma população de mais de 600 mil presos, está lotado de jovens negros pobres que cometeram pequenos furtos e muitos nem sequer foram julgados em um processo. Será que é o Lula mesmo que precisa de defesa de movimentos populares?

Não percebemos tanta agitação da militância de esquerda, juristas, até mesmo universidades, para tantas outras prisões injustas que acontecem, como foi o caso de Rafael Braga Vieira e os 23 ativistas presos nas manifestações contra a Copa em 2014. Falar que o Estado de Direito está ameaçado no Brasil só porque o Lula foi obrigado a depor, nem sequer foi mesmo preso, é uma grande hipocrisia. O Estado de Direito nunca existiu para os mais pobres aqui, que estão constantemente tendo seus direitos básicos violados.

Existe neste caso uma indignação seletiva por parte dos militantes a favor do governo. De fato Lula é hoje um símbolo envolto numa grande carga afetiva por causa da sua história de vida como um operário que chegou à presidência e pelas políticas sociais do seu governo, que tiveram grande impacto na transformação das vidas de muitas pessoas. No jogo maniqueísta que temos vivido nessa política bipolarizada, Lula é o herói popular resistindo à ameaça da volta de um governo da direita. Mesmo que ele nunca tenha mexido nos privilégios dos bancos, das empresas multinacionais e do agronegócio.

O governo PT já não consegue mais os avanços sociais dos seus primeiros anos de governo. Pelo contrário, está em retrocesso. Nos últimos anos os bancos têm tido lucros recordes[2] e o agronegócio também continuou lucrando[3]. Os serviços públicos estão cada vez mais precarizados por causa dos cortes feitos pelas políticas de austeridade. Com os megaeventos esportivos como a Copa e as Olimpíadas, muitas comunidades são removidas forçadamente para a construção de obras para estes eventos[4]. Comunidades também estão sendo removidas no norte do país com a construção da Usina de Belo Monte[5], prejudicando a vida das populações ribeirinhas que vivem da pesca, tribos indígenas e as florestas daquela região, enquanto a presidente Dilma Rousseff vetou neste ano metas de energias renováveis não-hidráulicas do Plano Plurianual do governo. Direitos trabalhistas e previdenciários estão sendo retrocedidos. Enfim, são muitos retrocessos. Não dá para citar tudo aqui. O que quero dizer é que nós não temos um governo de esquerda. O governo do PT tem sido cada vez mais elitista e neoliberal. Não há que se falar numa volta da direita ao poder. Ela já está lá.

A investigação do ex-presidente Lula fortaleceu o discurso de que existe um golpe de Estado em curso planejado pelas forças da direita e que nossa democracia está em risco. Ora, neste mesmo ano o Congresso Nacional aprovou a lei antiterrorismo, que cria grande margem para a criminalização de protestos e movimentos sociais, tendo apoio dos senadores do PT e com pedido de urgência na tramitação por parte do governo federal. Em 2014, 23 ativistas foram presos nos protestos contra a Copa do Mundo e desde junho de 2013 as manifestações são reprimidas violentamente pelas forças policias. Sem falar que o atual mandato da presidente Dilma foi elegido com uma campanha eleitoral mentirosa em 2014, sendo que este governo está pondo em prática tudo o que condenou nos seus adversários e disse que não iria fazer. O golpe da direita já está dado pelo governo do PT.

O governo do PT teve várias chances de construir uma política com amplo apoio e participação popular e continuar com os avanços sociais. Poderia, por exemplo, ter aproveitado as manifestações de junho de 2013 para construir um projeto democrático junto com o povo, mas preferiu escolher por sua política de conciliação com forças políticas conservadoras e reprimir os protestos com a violência policial.

Talvez o que seja ainda mais problemático é a insistência dos movimentos de esquerda em proteger este governo decaído em nome da democracia. Esta esquerda não aprendeu com sua própria história. Não percebe que da mesma forma que conseguiu levar Lula à presidência do Brasil, pode também construir um projeto instituinte alternativo a este binarismo que há mais de 20 anos domina nossa política e sufoca nossa jovem democracia.


PS. Escrito em 13/3/2016.

Notas

[1] https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2015/07/Voce-matou-meu-filho_Anistia-Internacional-2015.pdf

[2] http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/08
/mesmo-diante-de-crise-lucro-dos-bancos-nao-para-de-crescer.html
[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/07/1661855-agronegocio-segue-ganhando-relevancia-nas-exportacoes-do-brasil.shtml

[4] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2011/08/remocao-de-familias-para-obras-da-copa-e-das-olimpiadas-gera-polemica.html

[5] http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2015/mpf-divulga-relatorio-sobre-remocao-de-ribeirinhos-pela-hidreletrica-de-belo-monte

Fonte: UNINÔMADE

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